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"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



segunda-feira, 14 de março de 2016

FLIP 2015 (III – Livros, curiosidades e observações)


Fotos: Denis Akel

Veja também: 
Post I - Paraty e seus encantos 
Post II - As mesas que assistimos 1/3
Post II - As mesas que assistimos 2/3
Post II - As mesas que assistimos 3/3 

Seguindo com a série sobre a FLIP 2015, mas dessa vez não para falar de mesas ou palestras. Este post centrará outros detalhes da festa literária, bem como algumas curiosidades da cidade de Paraty e o que vimos por lá. Algumas coisas aqui já haviam sido comentadas nos post anteriores, mas agora posso expandir mais esses temas. A ordem de leitura dos capítulos deste post não é cronológica, ou seja, podem ser lidos em qualquer ordem. :)

O DIA DEPOIS DA FLIP

Quando a Flip terminou, ficamos ainda uma semana em Paraty. Voltaríamos ao Rio de Janeiro apenas no dia 10 de julho, e tiramos esses dias para descansar um pouco da correria imposta pelo ritmo do festival literário. Contudo, muito me interessava também acompanhar como a cidade ficaria no dia-a-dia após a Flip, como seria o fluxo de pessoas, o movimento nas ruas... e a situação das tendas? Será que já as desmontariam? Eram detalhes que fazia questão de ver, assim como vi antes da abertura.

Chegando ao centro histórico, percebemos tudo praticamente irreconhecível, ante o movimento assombroso que tinha conhecido nos últimos cinco dias. Havia, claro, ainda algumas pessoas, a maioria claramente turistas, transitando por lá, mas um grande vazio se fazia notar nas ruelas pedregosas, na praça da matriz e em todos os demais palcos da festa literária.





Esse vazio não era tão novidade para nós, e fazia lembrar do dia de nossa chegada, dois dias antes do início da festa. Mesmo assim, foi um grande choque rever a calmaria da cidade depois da explosão que foi a Flip. Havia sobretudo um silêncio no ar, uma tranquilidade que até enaltecia a atmosfera litorânea e pitoresca do lugar. Uma sensação nostálgica foi nos invadindo, à medida que caminhávamos – agora sem qualquer pressa –, por ali. Parece bobo pensar, mas acho incrível como a Flip veio, passou, e tudo continuava ali, a cidade seguia seu curso, fortalecida.

Apesar da movimentação reduzida, algumas pessoas ainda estavam pelos restaurantes, lojas, bares, e praças, e era outro sabor desfrutar daqueles visões, sem o compromisso com alguma palestra ou algo assim. Era quase como redescobrir a cidade.










Quando chegamos à área das tendas propriamente ditas, no coração do centro histórico, além da ponte sobre o rio Pequequê-Açu, vimos o que eu já esperava ver: as estruturas já em processo de desmonte. E não era uma operação fácil: havia vários caminhões e dezenas de homens trabalhando. O local estava mais uma vez interditado, pelas mesmas faixas amarelas que vimos na noite anterior à abertura. Desta vez, porém, elas não antecipavam nenhum espetáculo, pelo menos não para o grande público, que àquela hora já devia estar nos ônibus ou aviões de volta para suas cidades. Estavam pelas imediações apenas alguns moradores e curiosos como nós, e circundamos a área à medida que as faixas permitiam.








A visão das tendas, das estruturas, sendo desmontadas foi a princípio interessante, pois percebíamos toda a complexidade que havia por trás daquele super palco, do trabalho que deve ter sido erguê-lo ali, mesmo para tanto equipamentos e tantas pessoas envolvidas. Era mesmo todo um arsenal de ferragens e peças, criando detalhes que fizeram toda a diferença. Foi ainda bastante curioso ver que por baixo de toda aquela armação havia grama. Contudo, depois de uns minutos em meio àquele cenário de ruínas, nos deu um certo pesar, uma tristeza repentina, talvez por presenciar aquilo que ninguém, ou quase ninguém, deveria ver. Com os holofotes apagados, a festa já deixava saudade, e ver aqueles "esqueletos" não era muito reconfortante.

Um outro detalhe que esqueci de comentar antes é que havia casas aparentemente comuns, isto é, residências, nos entornos do local das tendas. Quem será que morava nelas? O que pensavam da Flip?Ficamos pensando como seria engraçado morar ali, e ter o evento acontecendo praticamente no quintal de casa!

O processo de retirada das tendas levou dias, pelo menos durante os dias que passamos ainda por lá. Víamos depois sempre de longe, ouvindo o ruído das peças, dos guindastes trabalhando. A saudade já era grande, de voltar a pisar naquele solo sintético, de ver aquela multiplicidade de pessoas, de voltar àquela atmosfera que eu tanto esperara para respirar.




QUE LIVROS COMPRAR? 

Um dos, vamos dizer, 'receios' que tinha de ir à Flip era quanto às oportunidades de se comprar livros que provavelmente só encontraria lá, pois apesar de isso ser por um lado fascinante, por outro era meio assustador, uma vez que seria difícil dosar exatamente o que comprar, considerando não abalar muito o orçamento, não comprar mais do que sei que leria e sobretudo o espaço nas malas, considerando ainda que de Paraty iríamos para o Rio de Janeiro, ao Anima Mundi.



Assim, as idas às muitas livrarias que haviam por lá eram sempre permeadas por essa inquietação. Sabia que poderia achar coisas incríveis, mas será que precisaria mesmo delas? Dei uma olhada geral nos livros dos autores presentes no evento, que eram invariavelmente os mais badalados – e mais caros. Não que não fossem interessantes, ou não valessem o investimento, mas não eram bem o que eu procurava naquele momento. Já estou com estantes cheias de romances, de antologias, e a maioria ainda espera para ser lido. Não sei exatamente o que eu buscava, mas certamente não eram nenhum daqueles. Algo que tem me interessado muito ultimamente são biografias, ou memórias, um estilo de texto que também me cativa bastante a escrever.

OS LIVROS QUE COMPREI

Durante a Flip em si, durante os dias frenéticos de correria entre mesas, palestras, eventos paralelos e etc, fomos submetidos às diferentes realidades de cada autor, de cada tema, mas não me cativou comprar quase nenhum desses livros, pareciam não me acrescentar tanto naquele momento. Entrava nas livrarias, folheava um ou outro, os preços também não ajudavam, e acabava desistindo. A Flip terminou e eu já achava que voltaria sem comprar absolutamente nenhum livro, o que seria um feito bastante singular, considerando que era a primeira vez que ia a um evento dessa magnitude, e que meu primeiro pensamento, ainda quando estava em casa, foi algo como "vou voltar cheio de livros!". À medida que os dias passaram, percebi que isso estava bem longe de acontecer. E agora, meses depois, acho isso ótimo, pois é um autocontrole saudável, necessário. São escolhas que fazemos. Deixar de comprar algo, um livro, muitas vezes é uma libertação. Já dizia Daniel Pennac, em seu Como um Romance, todo leitor tem o direito de não ler. Ainda assim, surgiram algumas interessantes oportunidades, que tive de abraçar, e conto a seguir:

Estamira: fragmentos de um mundo em abismo

Um livrinho que me chamou muito a atenção, inicialmente, não estava diretamente em foco, pelo menos não na fachada das livrarias, mas no balcão do caixa da livraria da Flip, ao lado de cadernos, lápis, bottons e outros cacarecos com a marca do festival; típicos artigos para nos atrair no momento derradeiro de pagarmos a conta, num último suplício de nos fazer gastar mais do que realmente devemos. O livro atraiu também pelo visual misterioso e ao mesmo tempo convidativo. Comecei a folhear, disposto a conhecer um pouco o que seria esse mundo em abismo.


Não consegui entender muita coisa nessa primeira olhada, apenas procurei sentir a essência do livro. O texto era pulsante, forte, como uma voz inquieta, um fluxo de consciência. Salpicados entre as páginas, inúmeros fotogramas do documentário, que pareciam buscar (ou talvez não) alguma relação com aquelas palavras. Era ainda uma edição bilingue, sendo metade do livro em inglês. Neste primeiro momento, chamou mais atenção o formato, o acabamento da obra, e o comprei como forte referência para uma publicação que pretendo lançar em breve em parceria com meu irmão.




Após olhar o livro com mais alguma atenção, e ler um pouco sobre ele (e o documentário), entendi mais algumas coisas. Estamira era uma senhora com certos distúrbios mentais, que trabalhava num aterro sanitário, e tinha uma maneira de falar e ver o mundo muito particular, com um viés filosófico que beirava as fronteiras da lucidez e da loucura. O diretor Marcos Prado buscou captar seus princípios e valores no filme, que agora se vêem refletidos neste livro. Eu não conhecia ainda nada desta história tão peculiar, então foi além de tudo uma oportunidade de conhecê-la.


O documentário, muito bom por sinal, pode ser assistido na íntegra aqui.

Paraty é uma festa: dez anos de FLIP

No dia seguinte ao término da festa, estávamos zanzando pelas livrarias do centro histórico, aproveitando que tudo estava quase deserto, para dar uma olhada com mais calma nos livros (eu ainda tinha esperanças de encontrar algo que realmente valesse a compra). Diego, meu irmão, encontrou logo inúmeros livros de seu interesse. Fiquei olhando as lombadas nas prateleiras, andando com o pescoço curvado. De repente, Diego me chama a atenção para um livro meio escondido, meio exposto, em uma das mesas. Era um livro grande, de capa dura. Na capa, uma bela imagem da tenda dos autores, à noite, refletida nas águas do rio Perequê-Açu; era um livro sobre a Flip! Bastou meu olhar encontrar a capa deste livro para perceber na hora que teria de levá-lo.

O livro Paraty é uma festa: dez anos de Flip é uma obra comemorativa dos 10 anos da festa literária (completados em 2013). Estava ainda lacrado, mas eu não precisei abri-lo para saber que ali haveria certamente uma pequena retrospectiva do evento, desde os anos iniciais. Para alguém como eu, que estava indo pela primeira vez, era um verdadeiro banquete, uma oportunidade de conhecer a magia que marcou as edições anteriores da festa. O livro estava por um preço até acessível, ante tudo o que oferecia e a qualidade histórica do material. Não havia outro, ou seja, aquele tinha de ser meu. Será que havia mais e foram vendidos durante a Flip? Ou somente aquele e ele esperou quietinho ali até que eu fosse seu comprador? São perguntas que talvez nunca tenham resposta. E talvez seja melhor assim.









Tão logo comecei a folhear o livro, viajei pela história do festival, conhecendo detalhes e curiosidades que nem imaginava, desde o ano de estreia, 2003, das dificuldades iniciais, do empenho em realizar o evento. Era muito interessante conhecer esses fatos, depois de ter visto de perto aquele cenário que ilustrava tantas páginas, depois de, de alguma maneira, me sentir parte daquela história.

A expectativa dos autores convidados, os homenageados que dão o tom da festa, a preparação da cidade, tudo está bem organizado e dividido ao longo dos anos, e ao longo das páginas. Ilustrado com dezenas de imagens, de fotos oficiais a mais espontâneas, é uma sensação muito especial, para qualquer fã da Flip, folhear este livro.








Sand

E houve ainda um livrinho bem inesperado, que comprei longe das livrarias e grandes aglomerações. Foi ao longo da avenida Roberto Silveira, nas muitas idas e vindas que fazíamos entre o centro histórico e nossa pousada, que vimos um senhor vendendo livros, ali mesmo, numa lona estendida no chão. Todos queriam aproveitar o clima que estava instalado na cidade, todos queriam lucrar de alguma maneira com a Flip, e eram vários os que traziam livros para vender assim, por sua própria conta.

Dedicamos algum tempo neste senhor, e entre os muitos livros (que não estavam assim tão baratos para livros seminovos) achei este curioso livreto. Numa primeira folheada, não vi muito além de belas imagens de desertos, sem qualquer texto. Era um livro mais contemplativo, que buscava uma reflexão através da areia, dos desertos do mundo. Havia ainda uma nota introdutória – toda em alemão – o que em nada atrapalharia o encanto pelo livro, muito pelo contrário, já que nessa época eu começava a me interessar a estudar a língua germânica.

Este livrinho, tal como Estamira, tem um formato bem peculiar, que interessou a mim e a Diego bem além de vermos nele apenas os desertos. Seria outra boa referência para nosso projeto de publicação, então tratamos logo de garanti-lo. Este sim seria um livro que não acharia facilmente por aí.









OS LIVROS QUASE COMPRADOS

E foram muito os livros que folheei, que considerei, que quase comprei. Mesmo sabendo que deveria me ater apenas ao que realmente valesse a pena, era difícil não se ver tentado em meio a tantas opções, a tantas marés que nos inundavam.

Um autor que muito me fascinou foi João Anzanello Carrascoza, na ocasião da mesa que dividiu com Luiz Ruffato (veja aqui). A questão da narrativa curta, do expressar muito escrevendo pouco, a inspiração nos fatos cotidianos, de modo que procurei bastante alguns de seus livros, quase não encontrando. Quando enfim os folheei (Dias raros e Amores Mínimos), porém, não vi metade dessa fascinação. Não sei exatamente o porquê, mas faltava algo, faltava o ritmo que senti em sua fala mas não muito em seus contos. Li alguns, ali mesmo em pé e não me emocionei, não me senti cativado. Tentei outros. Era inegável seu trato literário, a composição das histórias, as referências do cotidiano, mas não sei porque, não me encantei mesmo. O preço meio elevado (35 reais) deve ter colaborado um pouco para isso. Talvez num outro momento, ou a partir de outros livros, eu descubra o Carrascoza que ouvi na palestra, que certamente está lá escondido.

Um outro livro que me atraiu muito, fazendo com que ficasse minutos em pé lendo-o sem perceber foi Cartas Extraordinárias, da Companhia das Letras. No livro, uma coletânea de cartas e correspondências de pessoas notáveis, como Gandhi, Darwin, Einstein, Charles Dickens, Elvis Presley, Dostoiévski... nelas, um verdadeiro retrato da sociedade da época, um banho dentro de suas personalidades, quase um panorama histórico. Fiquei impressionado com a abrangência deste material, e através destas cartas consegue-se enxergar melhor o mundo, o da época que retratam, e o de hoje. Um livro delicioso, que reserva uma nova surpresa a cada página aberta, quase como uma caixa de bombons. Já estava certo de comprá-lo, o problema aqui não foi exatamente o preço, mas o volume; ocuparia um espaço que poderia fazer falta em nossas malas. Como está no catálogo da Cia das Letras, percebi que poderia consegui-lo depois, em Fortaleza mesmo.

O livro-HQ O Árabe do Futuro, do francês Riad Sattouf, era um dos grandes destaques da Flip, por conta do cartunista ser um dos convidados. Mais do que isso, era um dos livros que estampava a sacola que a livraria da Flip nos dava, ou seja, todos viam conscientemente ou não a imagem da capa, numa discreta propaganda. De tanto ver o livro para cima e pra baixo, dei uma olhada nele. Era uma obra incrível, uma HQ diferenciada, na qual as memórias de família de Riad entregavam uma história divertida e comovente. Mas nada que justificasse pagar 60 reais nela, naquele momento. Preferi esperar a poeira baixar, embora tenha ficado tentado a comprar a edição original em francês.

Ainda vi vários de Mário de Andrade, o homenageado deste ano, como Macunaíma e Amar, verbo intransitivo, muitos em novas, chamativas (e caras) edições, lançadas especialmente para a Flip. Embora não considerasse Mário uma leitura muito prioritária, fiquei bem curioso por Macunaíma, de tanto que se falou dele ao longo do evento. Nada, contudo, que não pudesse encontrar em outro momento, sem todo aquele alarde, e bem mais em conta. Foi sobretudo um ótimo incentivo desde já.

Folheei também alguns livros de Marcelino Freire, entre Angu de Sangue, que celebrava 20 anos de publicação e os recentes Amar é Crime e Nossos Ossos. Era uma literatura feroz, intensa, e com certeza uma ótima leitura, mas não eram mais do que eu esperaria encontrar ali, e esses também certamente poderia ter acesso em outros momentos.

Nas muitas livrarias, ainda vi várias coletâneas russas, de clássicos de Dostoiévski, Tolstói, Tchékhov, todas muito tentadoras, mas que escolhi não trazer pelas mesmas razões acima. Livros por livros não era o que eu procurava ali. Os preços pesavam muito, pois a Flip não é uma feira, não há nada de livros promocionais de 10 reais ou coisas assim. O evento acaba sendo um pouco elitista, portanto para comprar, só sendo mesmo muito seletivo e consciente (ou podendo gastar muito, o que não era meu caso, haha).


Este livro de papelão tinha um formato bem inovador, mas um preço bem salgado para a proposta (30 reais)


IGUARIAS DA CIDADE

Nos primeiros momentos em Paraty, ficamos maravilhados com a variedade de restaurantes e opções gastronômicas. Não apenas no centro histórico, mas também na avenida Roberto Saveiro, que nos ligava a nossa pousada. Havia de tudo: pratos tradicionais, pizzas, massas, sorvetes, pratos sofisticados, mariscos, petiscos, sopas, bebidas, bolos, doces... Difícil era disposição (e bolso) para experimentar de tudo. Nos primeiros dias, ainda nos aclimatando, ficamos com restaurantes lá mesmo na parte histórica, perto da ebulição do evento, mas sempre tentando filtrar os preços mais em conta. Ainda assim, os pratos individuais saiam numa faixa de 20 a 25 reais.

Com o passar dos dias, e maior desenvoltura que adquirimos ao andar pela cidade, fomos encontrando locais mais simples, mais acessíveis, como um ótimo restaurante perto de nossa pousada e uma simpática padaria na avenida Roberto Saveiro. Comíamos muito bem, sem gastar tanto, e ainda conhecíamos outro lado das coisas, o lado um pouco mais popular, fora dos holofotes e da ostentação do centro histórico. Ambientes excelentes para se observar a vida local, os costumes, o dia-a-dia da população mais humilde. É sempre uma boa dica para viagens assim, escapar dos restaurantes óbvios e buscar opções alternativas. Ganha-se em todos os sentidos.




Mas claro que não se faz uma viagem assim todo dia, então tivemos de experimentar um pouco do glamour de estar em Paraty na época da Flip. Os restaurantes eram todos muito concorridos, ninguém parecia estar muito preocupado com preços. Nós procuramos ainda dosar, sem exagerar nos pedidos. Lagosta? Parecia demais. Mas o frango e peixe empanados estavam deliciosos. Massas como lasanhas e macarrões eram também opções bem atrativas. Pizzas, yakisoba, cafés, pão com ovo, sorvete finlandês, sopa de pote, que era a sensação nas noites, pão artesanal, tapioca recheada... Ainda, os cafés das manhãs na pousada, que eram sempre uma excelente maneira de começar o dia. Há coisa melhor de estar hospedado numa viagem e saber que basta acordar que o café da manhã estará à nossa espera? As imagens falam por si só!
































Nossa, sempre me dá fome em rever esses pratos!

Um dos grandes destaques, além dos estabelecimentos comerciais, eram vários carrinhos de bolos espalhados pelas ruas do centro histórico. No ápice da Flip, havia praticamente um em cada esquina, iluminados e chamativos, por luzes e confeitos e sabores, os carrinhos atraiam facilmente quem quisesse se deliciar em sua sortida seleção. Provamos vários, era uma ótima sobremesa, principalmente o de morango, que nem todos tinham; nos dias de maior movimento os bolos acabavam rapidamente. Após a Flip, porém, os carrinhos de bolo quase sumiram das ruelas. Achamos que tinham parado, que eram só por causa do evento, até que depois de minutos andando, encontramos um. Tinham diminuído a frequência, mas ainda estavam por lá sim, e os bolos continuavam deliciosos.





A TROCA DE POUSADAS

Pousadas eram algo constante em Paraty. Ouvimos dizer que havia mais de 300 espalhadas pela cidade. Como contei na primeira postagem desta série, não foi fácil encontrar uma boa, acessível e perto do centro histórico, mas quando encontramos, houve ainda um pequeno contratempo: teríamos que desocupá-la na metade da duração do evento, por conta de uma turma de 46 pessoas que chegariam, vindas do Chile. Sem opção, começamos a procurar uma outra, e felizmente o pessoal desta pousada nos foi bastante solícito, indicando uma de sua confiança.

Fizemos o contato, conhecemos e nos instalamos nesta nova pousada na data marcada. Ficamos lá durante os últimos dois dias da Flip. Foi bom por ser um pouco mais perto do centro histórico, e nos dar outra visibilidade, além de outra atmosfera, com outros hóspedes e estrutura. Esses "inconvenientes" de viagem sempre se mostram provas de crescimento, quando sabemos olhar para eles. Terminada a Flip, voltamos à primeira pousada (era mais barata e os chilenos já tinham saído) para passarmos lá os últimos dias que ficaríamos em Paraty. Parecia fazer um tempão que não pisávamos ali. Foi quase como voltar para casa.

SOUVENIRS DA FLIP

Como era minha primeira vez na Flip, tudo, absolutamente tudo era instigante e tentador. Um detalhe que aguardava com alguma expectativa era o que haveria com a marca da festa, de camisas, chaveiros, cadernetas e coisas do tipo. Tão logo o acesso à tenda da livraria se abriu, fomos até lá conferir. Não vimos muita coisa, porém, apenas lápis, bottons, cadernetas e sacolas de pano. Não havia camisas! Esperava alguma que valorizasse a arte que estampava o pôster, mas estava tudo resumido a esses artigos menores. Pensei em levar uma das cadernetas, mas o preço era alto demais para a qualidade que elas tinham, não compensaria. No fim, fiquei apenas com lápis e botton como simbólicas recordações. A maior recordação da Flip não seria nada físico, eu bem sabia, seria tão somente o sentimento, as sensações às quais fomos submetidos nesses cinco dias.



A PRAÇA DA MATRIZ

Este era um dos locais mais agradáveis de se estar, quando no centro histórico. Durante a Flip, a praça fervilhou com o transitar sobretudo de crianças e jovens, que eram atraídos pelas atividades que aconteciam ali, bem como os tradicionais livros pendurados nas árvores, algo que eu há muito tempo queria ver de perto. Eram espaços que favoreciam a leitura, valorizavam o livro, ou tão somente relaxar neste lugar tão acolhedor. Foram momentos muito especiais em meio a todo esse verde, a toda essa euforia.


















Após a Flip, a movimentação pela praça caiu vertiginosamente, mas ainda havia pessoas usufruindo daquele belo cenário, como nós. Como o restante da cidade, estar ali na calmaria fazia perceber tudo melhor, as ruas, os prédios, as árvores, as pessoas, como se pudéssemos ver a realidade, sem a cereja que foi a Flip. Restaurantes quase vazios, poucos carros, mas ainda movimentação turística, uma vez que era mês de férias.




DIÁRIOS DE VIAGEM

Um hábito que desenvolvi, muito espelhado em meu irmão, foi adotar um diário de viagem. Já meio que costumava fazer isso, escrevendo diretamente no celular, mas dessa vez fiz diferente. Comprei um caderno especialmente para este fim, e o inaugurei nesta viagem. A ideia inicial era fazer um pequeno compilado de fatos e sensações, intercalando com colagens e eventualmente desenhos, tudo de maneira bem livre e solta, sem grandes preparações.

Assim, sempre que parávamos em algum lugar, me punha a escrever, pensamentos, sentimentos, tudo o que viesse à mente. Juntava também o que houvesse por perto e criava recortes, fragmentos, complementos ao texto, como se pudesse criar ali um atalho para aquela memória. Antes de perceber, já tinha escrito inúmeras páginas, e estava começando a gostar dessa brincadeira.












Recolhi quase tudo o que consegui de papel, folhetos e afins, com o intuito de colar neste diário, de engrandecer sua experiência de memória. As páginas ficavam robustas, carregadas, justamente porque a ideia era ter o máximo de coisas ali reunidas, criar um caos controlado. Em geral, costumava escrever nele à noite, quando voltávamos à pousada, mas o usei também durante as mesas e palestras da Flip, filtrando falas e ideias dos autores convidados. Assim, escrever neste diário se tornava algo comum e corriqueiro, e conseguia fazê-lo sem pensar muito, com o ímpeto do momento. É, em parte, graças a ele que pude ter a base para escrever todos estes posts sobre a Flip.










Hoje em dia, sempre que olho para estas páginas, me vejo invadido por tão boas lembranças. Cada uma transborda uma realidade, uma emoção, e consigo quase sentir o cheiro daquele dia, daquele momento. Vejo sobretudo como foi importante ter conseguido mantê-lo, durante e depois da viagem (ainda hoje vez ou outra mexo algo nele). Penso que se não fosse um pouco de determinação, este diário poderia nunca ter existido. É incrível o que somos capazes de fazer quando realmente queremos.




UMA FLIP DE CACHORROS

Não demoramos muito a perceber vários cachorrinhos nos arredores da cidade, e todos aparentemente muito saudáveis e dóceis, com coleiras e tudo. Eles estavam por todos os lugares, andavam livres, e ninguém parecia se incomodar com suas presenças. E muito mais: filas chegavam a ser desviadas por eles, andavam dentro das agências bancárias, perto dos carros da polícia, em volta dos restaurantes, na maior naturalidade. Muita gente se encantava pelos bichinhos, que adoravam ser o centro das atenções. Achei tudo isso tão inusitado que não pude deixar de perceber e prestar atenção nestes ilustres "convidados" da Flip, os cães escritores, haha!









A TERRA DA CACHAÇA


Segundo descobrimos por lá, Paraty é uma cidade muito conhecida também pela forte produção de cachaça, e realiza anualmente, desde 1982, o Festival da Cachaça, evento com ampla tradição em difundir a bebida como um produto gourmet, enaltecendo também pratos para acompanhá-la, num clima de quermesse tradicional. É engraçado pensar em um festival dedicado à cachaça, mas os paratienses a levam sim muito a sério. Ao longo de nossas andanças pela cidade, vimos inúmeros bares, botequins e cachaçarias repletos de garrafinhas de vidro, toda uma coleção de cachaças. A maioria fornecia degustação, e havia uma infinidade de sabores. Um prato, ou melhor, copo cheio para os apreciadores da bebida (o que não era o nosso caso).






A AVENIDA ROBERTO SILVEIRA

Esta avenida, da qual falei um pouco no primeiro post dessa série, era nossa ponte até o centro histórico. Sempre passávamos por aqui, saindo da pousada logo cedo e depois voltando a ela de noite. Era um trajeto muito agradável, que também conheceu um movimento gigantesco durante o período da Flip. Ali havia de tudo, lojas, lanchonetes, restaurantes, padarias, mercados, farmácias, pousadas; quase um pequeno centro.

Explorar a avenida e suas imediações foi algo bastante desbravador. Perceber pouco a pouco a movimentação turística, os estrangeiros, os muitos idiomas diferentes ouvidos ao acaso enquanto andávamos, tudo isso nos inspirava. A experiência da viagem, da vivência do lugar, intensificava-se. E ainda, nas noites, fazia um friozinho maravilhoso, na faixa dos 19, 20 graus... (comparado a Fortaleza atualmente, isso é quase um pólo norte).









ARQUITETURA 

Estar por duas semanas em meio àqueles inúmeros prédios coloniais foi uma experiência inigualável. O centro histórico nos fazia sentir mesmo como parte da história, ao caminhar por aquelas pedras desalinhadas e traiçoeiras. Para onde quer que se olhasse, chamava atenção a bela arquitetura da cidade, desde a fachada dos casarões, os detalhes arquitetônicos, até as grades e lustres. Tudo cuidadosamente preservado, quase como se o tempo não tivesse passado. Este cenário era tão rico que mesmo após dias andando por lá, conseguia se renovar a cada momento, e sempre víamos detalhes não percebidos antes, o que deixava a experiência ainda mais marcante.









A história de Paraty remota ao ciclo do ouro, quando foi projetada pelos portugueses para ser um importante porto da colônia. Há um detalhe bem peculiar de sua geografia: os calçamentos estão abaixo do nível do mar, o que faz com que a maré alta invada as ruas, e isto foi feito, conforme descobrimos, para que se limpasse a cidade do estrume dos muitos animais de carga que por lá chegavam nesta época remota. Até hoje esta estrutura está mantida, razão pela qual há um grande batente na entrada de todos os lugares, e razão também porque a cidade é conhecida como a Veneza brasileira. Não chegamos a ver propriamente essa cena, a não ser nos cartões postais que eram vendidos por lá, mas ouvimos as pessoas comentarem e podíamos imaginar bem a sensação.




AS NOITES PARATIENSES

Muita gente costuma ir a Paraty na época da Flip, mas não exatamente com intuito de prestigiar a festa literária, mas sim aproveitar o clima que se instala no centro histórico, a diversidade de tantas pessoas, desfrutar a palavra "festa" no seu sentido mais comum. Bares, bebidas, shows, boates, as noites ali não conheciam limites. Como não somos muito desses ambientes, passamos longe das maiores zonas, porém o suficiente para ver que nem todos ali estavam muito preocupados com as palestras da tenda dos autores ou qualquer outra das programações. Havia mesmo para todos os públicos.









UMA CIDADE QUE RESPIRA ARTE

O centro histórico de Paraty abriga, além de bares, restaurantes e pousadas, uma quantidade significativa de ateliês e estúdios artísticos, e não era raro passarmos em frente a eles enquanto andando a caminho de outro lugar. Pintura, desenho, artes plásticas, escultura, havia de tudo. Os artistas deixavam as janelas de suas casas-ateliês abertas, justamente para atrair, para buscar uma admiração dos passantes. Eram obras incríveis, e depois de ler um pouco em alguns guias, descobrimos que muitos daqueles artistas tinham ido para a cidade buscando oportunidades e acabavam morando por lá, aproveitando o constante fluxo turístico. E havia ainda algumas comunidades indígenas que expunham artesanatos e artefatos de sua criação em meio às ruas, num gesto mais informal mas não menos belo.





EXPOSIÇÃO DE GILVAN SAMICO 

Muitos eventos paralelos aconteciam simultaneamente à Flip. Muitos relacionados à festa literária, outros independentes, como a exposição sobre Zé Kleber, citada no primeiro post. Entre essas exposições, descobrimos uma outra muito interessante, numa hora que talvez devêssemos estar nas programações da Flip, mas que preferi abrir para o inesperado, para ver o que mais havia além do óbvio. Conhecemos assim o incrível mundo de linhas, trançados e cores de Gilvan Samico.




Artista pernambucano, Samico tem uma vasta obra, que vai de experimentos em desenhos a complexas xilogravuras, seus trabalhos mais conhecidos. Ficamos fascinados, olhando quadro após quadro, percebendo a firmeza e precisão com que criava suas imagens. A simetria, a expressividade, tudo transbordava uma personalidade única, que dava gosto de ver, de sentir, de imaginar como cada uma foi composta. A mocinha responsável pela exposição ainda nos brindou com uma verdadeira aula sobre Samico, contando sua vida em detalhes, e conseguimos penetrar ainda mais nesse mundo. Passamos um bom tempo ali, em mais uma atividade "não prevista", que no fundo acabam sendo as mais marcantes!




O QUASE PASSEIO DE ESCUNA


Ao longo dos dias de relaxamento que tivemos, no período pós-flip, muitas eram as opções de exploração da cidade. Não conhecíamos praticamente nada, a não ser o que compreendia os arredores do centro histórico. Um dos passeios principais da região, como logo descobrimos, era o passeio de escuna. Havia dezenas e mais dezenas de barcos espalhados por toda a costa da cidade, cada um mais chamativo que o outro. Certos trechos no chão próximo onde estavam arpeados tinham marcações de tinta com o nome de seus proprietários, e ficou claro que existia ali um estacionamento a ser respeitado. Um dia chegamos para conversar com um dos barqueiros, para saber um pouco mais como seria esse passeio.



O homem nos explicou dos percursos, da duração, que levaria cerca de quatro horas, e que o ideal seria vir de manhã, para se ter uma melhor vista (já era quase final de tarde). Enquanto falava, apontava com as mãos as ilhas e as rotas que faríamos. Disse que a melhor hora do passeio era cedinho mesmo, e nem assim se veria tudo, pois havia cerca de 365 ilhas naquela região. Ficamos surpresos e olhamos em volta, como se pudéssemos enxergá-las. A escuna era espaçosa e convidativa, e o homem disse que teríamos restaurantes nas ilhas e frutas a bordo. Parecia mesmo uma experiência bem singular. O custo, 60 reais por pessoa, não era ruim, considerando que duraria 4 horas, mas nessa altura da viagem já estávamos em contenção de gastos, e tivemos de deixar a exploração litorânea para uma próxima vez – o que não foi de todo ruim pois já seria um ótimo incentivo a se voltar.





A PRAIA DO PONTAL

Paraty é uma cidade litorânea, cercada de ilhas e praias. Uma das principais praias, da qual muitos nos indicaram, foi Trindade, a qual acabamos não conseguindo ir. Contudo, havia a praia do Pontal, que ficava praticamente ao lado das tendas da Flip, ou seja, não teríamos desculpa para não conhecê-la. Fomos a ela várias vezes, durante a Flip mesmo, e embora fosse estranho pisar na areia estando de tênis, é sempre relaxante contemplar o mar, a infinitude do horizonte, principalmente quando este é cercado de ilhas que desafiam nossa imaginação.








Quando a festa literária terminou, pudemos aproveitar a praia com a devida calma, e sentir nos pés o contato com a areia – que era incrivelmente fria – um pequeno afago depois de dias intensos e exaustivos nas programações. Cercada de árvores, com uma vista espetacular, desfrutamos rápidos, ainda que ótimos momentos neste cenário. Ali não se via o passar do tempo, relógios tornavam-se obsoletos. A única pressa era em não ter qualquer pressa. Viagens possibilitam isso, uma plenitude que nos acompanha para sempre, e por isso cada uma é única.





JORNAIS E MAIS JORNAIS

Além de tudo o que juntamos diretamente da Flip, na figura de panfletos, anúncios, programações e revistas, fiz questão também de coletar, na medida do possível, as matérias de jornal relacionadas a ela, numa iniciativa de acompanhar também o que acontecia e o que se dizia desta edição da Flip. Tínhamos já a Folha de SP garantida como cortesia na Casa Folha, graças à sua parceria com a Flip, o que nos assegurou exemplares nos cinco dias do evento. Tivemos, pois, de comprar O Globo e algumas edições do Estado de SP (que publicavam diariamente matérias do evento) e para isso dispúnhamos de uma ótima banca de revistas, ali mesmo, na avenida Roberto Silveira.





Já era costume voltar do centro histórico (ou na ida) e parar na banca para comprar o jornal do dia. Os donos até já nos conheciam, ainda que nunca tenhamos sabido seus nomes. Havia ainda vários outros jornais locais que eram distribuídos gratuitamente ou a preços simbólicos, também recheados de notícias da festa literária, que engordaram nosso acervo. Com a correria do evento, não pude organizar todos os jornais a tempo, só vindo a fazer isso na noite anterior à nossa viagem de volta para o Rio. E como deram trabalho esses jornais... acho que nunca folheei tantos jornais como nesse período. Contudo, além da Flip, descobri diversas outras matérias e artigos interessantes, razão pela qual foi ainda mais difícil fazer a garimpagem do que levaríamos ou não.





O PAINEL MÁRIO DE ANDRADE

O centro das atenções, quando estávamos na tenda central, era muitas vezes não os autores mas o enorme painel de fundo, que retratava Mário de Andrade, autor homenageado. Era possível viajar por suas pinceladas, pelos muitos matizes ali reunidos, sensações que nos acompanhavam e engrandeciam as mesas que lá aconteceram. Tratava-se de uma reprodução de um retrato pintado por Tarsila do Amaral, em 1922. Reprodução esta, aliás, impecavelmente bem feita, como mostra o vídeo abaixo. Estes painéis da Flip, inclusive, sempre são um destaque à parte, é admirável o empenho que dedicam a eles. Gostaria de saber para onde vão após o festival...




O CASO SAPIENS 

Posso ter comprado poucos livros, é verdade, mas há ainda o caso Sapiens, que é uma das situações mais singulares que já imaginei viver, no que diz respeito a livros. Tão extraordinário que na mesma hora que ocorreu precisei parar para escrevê-lo. Vou explicar, aliás, transcrever exatamente o que escrevi em meu diário, na época:

(Encontrando Sapiens, 6 de julho de 2015)

A história de Sapiens foi uma agradável surpresa que se deu em nossa passada em Paraty. Tudo se deu na Livraria de Paraty, a segunda, que demoramos um tempão para reencontrar, e que era dirigida pela simpática Norma. Diego tinha ido em busca do box de DVDs de David Perlov, que quase comprara no dia anterior, mas que agora, após rápida pesquisa na internet, percebera que realmente valeria a pena, pelo peso e singularidade da obra. Quanto a mim, ainda estava em busca de algo que pudesse me interessar realmente. Durante toda a Flip, vi as obras dos autores convidados, e até considerei comprar algum, porém desistia sempre ao ver os preços, e imaginar se realmente valeria a pena investir em mais livros, já tendo tantos lá em casa, e ainda com boa parte de "Crime e Castigo" pela frente. Após a palestra de Carrascoza, pensei em comprar algum de seus livros, mas após folhear uns, percebi que não era bem o que tinha visto em sua fala, ironicamente, pois ele dizia que escrevia o cotidiano, e o rebuscamento do texto não me refletiu exatamente um cotidiano. Marcelino Freire, Hemingway, e outros foram boas opções. No fundo, mais livros, que poderia comprar agora para provavelmente não ler tão cedo, ou talvez até reencontrá-los bem mais baratos em bienais do livro por aí. O único livro que realmente ponderei levar e que faria a diferença foi o excêntrico "Cartas Extraordinárias", mas o preço (R$99) e sobretudo seu enorme peso físico me fizeram reconsiderar. 

Neste dia, Diego entrou na livraria ávido para encontrar Perlov. Voou logo na prateleira onde o tinha visto, após perguntar a Norma, que não soube dizer a princípio onde estaria. Finalmente garantido o box, ele ficou olhando mais outras coisas, a revista Zum, interessante e instigante revista de fotografia, e havia até uma edição que falava também de Perlov, como se este de alguma maneira o perseguisse. Quanto a mim, fiquei passeando entre as estantes. Já eram quase 18h, a livraria estava vazia, inteiramente nossa. As estantes de autores da Flip já não me atraíam tanto, e fui rodando as demais, buscando algo, sem saber exatamente o quê. Achei uma interessante obra de Manuel de Barros, cujo formato diferenciado já era um destaque, mas infelizmente o preço não. Em todos os que talvez pensasse em levar, esbarrava no preço. 

Até que um livrinho fininho me chamou a atenção, perdido no meio de grossos volumes de Jorge Amado. Retirei-o, "Sapiens", li mentalmente. A capa, vigorosamente ilustrada, e ao mesmo tempo suave, também me cativou. Folheei. Era um livro curtinho, uma historieta breve, que parecia versar de modo muito autêntico e particular temas voltados à filosofia e à condição humana. Parecia interessante, mas onde estava o preço? Não havia nenhuma das etiquetinhas amarelas que estavam nos outros. Na primeira página, vi algumas informações sobre o livro: o ano, o nome e contato da autora e a menção ao fato de ser uma produção independente, outro fato que me chamou muito a atenção, e comecei a pensar em todo o processo que deve ter sido produzir aquele livrinho. Havia ainda o contato do ilustrador. Que legal, que obra interessante, já vale a pena só por essa iniciativa, essa independência, e levei então o livrinho à Norma, no caixa. Ela o olhou com certo estranhamento, e logo se pôs a procurar o preço. 

– Não tem preço, eu estava procurando... – comentei.

– Pois é, e nem código de barras! – exclamou ela, surpresa. 

Não foi preciso pensar mais para perceber que aquele livro não pertencia ao catálogo da livraria, mas o que Norma faria? Deixaria que eu levasse o livro? Diego, que também achou o fato curioso, observava também com essa esperança. Norma disse que o livro não era mesmo de lá, que a autora provavelmente o plantou ali, justamente para que alguém o encontrasse. Li a orelha do livro, com alguns detalhes da autora, Cátia Cernov, que se denominava uma escritora nômade. Fazia todo o sentido. Norma então disse:

– É, ela deixou aqui pra que alguém achasse...

– Pois é... e alguém achou. – completei, sorrindo. 

– Danadinha ela, não é? – disse ela ainda – Quis divulgar o livro de qualquer jeito.

Rimos todos com o caráter insólito deste acontecimento. 

– É seu, pode levar – sentenciou Norma. Agradeci com um largo sorriso, dizendo que iria entrar em contato com a autora, para mencionar o ocorrido. 

– Faça isso, e diga que achou aqui na Livraria de Paraty – concluiu ela, rindo. 

Diego então terminou de pagar o que ia levar e saímos. Na hora de ir embora foi que soubemos, aliás, que o nome daquela simpática senhora, que sempre nos atendeu tão bem desde os dias da Flip, era Norma. 

Esta pequena aventura, que foi a descoberta deste livrinho, me fez pensar muita coisa, e fiquei com isso na cabeça desde então. Eu achara o livro já na segunda, dia 6 de julho, um dia depois do término da Flip. Em que dia ele terá sido plantado lá? Será que foi a própria autora que o colocou mesmo? Qualquer pessoa poderia tê-lo achado, mas acabou sendo eu a fazê-lo, e ele de certa forma parecia estar me chamando. É sempre interessante pensar como operam as engrenagens da vida, como nos direcionam, mesmo quando partem dos locais e fatos mais incomuns. Aproveitando o momento, e a viagem, comecei a ler Sapiens e estou gostando da força de sua prosa, de seu caráter descritivo. Parece mesmo, afinal, uma leitura que eu com certeza faria. 





Tão logo voltamos a Fortaleza, agilizei um contato com Cátia Cernov, explicando que tinha achado seu livro. Ela se mostrou muito surpresa, e ainda mais feliz e animada do que eu quando comentei as circunstâncias que o tinha achado. A experiência de estar na Flip, nas palestras, nos debates, foi incrível, sensacional, um sonho realizado, mas esta experiência em particular, de achar esse livrinho assim ao acaso, de descobrir uma possível luz em meio a tantas sombras, é uma memória muito especial, um desdobramento único, que me marcou bastante.




O PÔSTER DA FLIP 

Desde que chegamos a Paraty, me chamou muito a atenção o pôster de divulgação da Flip, que continha, além das informações básicas do evento, a ilustração do artista australiano Jeff Fisher. O pôster estava espalhado nas fachadas de lojas, pousadas e até farmácias, deixando claro como a cidade valorizava o evento. Este ilustrador, que sempre assina a arte do festival, tem um estilo muito característico, uma certa simplicidade, ao mesmo tempo que uma unidade, um excelente uso de cores e formas, criando imagens que incitam a imaginação. Uma ótima referência.





Seria um excelente artigo para se adquirir, e esperamos encontrá-lo para venda junto aos artigos com a marca da Flip. Porém, não o encontramos! Não havia nenhum pôster à venda. Nos informamos; tinham sido impressos apenas para divulgação, não seriam vendidos. Ficamos decepcionados, um material desse, que seria uma ótima recordação da festa, sujeito apenas à divulgação e logo depois provavelmente ao lixo. Mas nós não desistiríamos. Sondamos alguns locais, perguntando o que fariam com o pôster após a Flip. A maioria dizia que seria mesmo descartado. Em um restaurante, um dos garçons disse que guardaria, que colecionava todos, sorri com essa declaração.

Após rodar vários locais que expunham o pôster, explicamos a situação, que não havia para compra e conseguimos que nos fornecessem, desde que esperássemos terminar o evento. Na manhã da segunda, 6 de julho, foi uma das primeiras coisas que fizemos ao sair para a rua. Conseguimos não apenas um, mas alguns, em diferentes estados de conservação. Pode não ser o melhor trabalho de Jeff para a Flip (vejam outros trabalhos dele aqui), mas sem dúvida foi um item que valeu a pena ir atrás, mesmo que por maneiras extra oficiais, haha.

FESTA À SANTA RITA DE CÁSSIA

Já no final de nossa viagem, enquanto andávamos corriqueiramente pela avenida Roberto Silveira, vimos um outro pôster estampado em frente a lojas e estabelecimentos comerciais. Era agora o anúncio de um próximo evento, a festa à Santa Rita de Cássia. Podia talvez não ter o impacto que tinha a Flip, mas era mais uma vez notável como a cidade abraçava seus eventos, como se envolviam com sua divulgação.




Logo vimos uma crescente no movimento do centro histórico, e ainda acompanhamos a colocação de incontáveis bandeirinhas, adornando as principais ruelas, já dando a cara deste evento vindouro. Era isso, nos despedíamos de Paraty, que já se preparava para receber uma nova festa, um novo público.




A seguir, a postagem final desta série, finalmente! Nela, alguns vídeos de nossas caminhadas por essas ruas pedregosas, um pouco dos bastidores de como foi escrever tudo o que escrevi aqui e algumas considerações finais. Até breve.

Um comentário:

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