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"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Bienal do Livro do Ceará 2014 (IV - Milton Hatoum no cinema)

Da esquerda para a direita: Sérgio Machado, Glauber Filho e Milton Hatoum
Fotos: Denis Akel

Nesta quarta postagem relativa à XI Bienal Internacional do Livro do Ceará, o destaque será novamente o escritor amazonense Milton Hatoum, um dos homenageados desta edição do evento.
Milton, que já estivera presente na cerimônia de abertura, bem como na mesa Infância e Memórias, faria agora sua última participação na Bienal, em uma mesa que abordaria a adaptação cinematográfica de sua obra.

Na mesa, intitulada Milton Hatoum no cinema, realizada no dia 8 de dezembro, o escritor dividiria o palco com o diretor Sérgio Machado, com mediação do também diretor Glauber Filho. Era uma das mesas que eu mais queria assistir, pois além de ter a presença de Milton, trataria do tema de adaptação de uma obra literária. Como surge o interesse para a adaptação? A linguagem se modifica? Como se dá o diálogo entre o escritor e o diretor? Qual a liberdade que compete a cada um? Eram algumas das perguntas que me vinham à mente quando pensava nesse tema, um tema sempre pertinente, sempre curioso.

Haveria duas horas e meia de intervalo entre a mesa que vi anteriormente, Biografar brasileiros, e o início desta. Usei este tempo passeando entre os expositores de livros, aproveitando a atmosfera do evento, imerso em leituras ora conhecidas, ora inesperadas, e é incrível como o tempo passou rápido, mal senti passarem essas duas horas e meia! Retornei ao auditório da mesma sala, Contos Escolhidos, pouco antes das 19h, hora prevista para o início. Havia ainda muita movimentação por conta da palestra anterior; Lira Neto podia ainda ser visto nos corredores do mezanino, muito assediado por fãs e amigos. Milton Hatoum, destaque da mesa vindoura, já estava a postos nas imediações, também amplamente solicitado.

Movimento na sala momentos antes do início da mesa

Desta vez, sentei-me ainda mais à frente, como se a cada palestra ganhasse mais confiança, mais vontade, disposto a absorver cada vez melhor os temas e assuntos discutidos. Armei minha base de operações, que consistia num bloquinho de anotações e um iPad e fiquei à espera, observando a movimentação crescente do público, que começava a preencher à sala. E com um atraso habitual de dez ou quinze minutos, a mesa teve início. Após palavras de praxe de patrocinadores e afins, Glauber Filho fez a introdução do tema, citando obras de Milton Hatoum que estão em vias de serem produzidas para o cinema.

Quando escrevi os livros, os romances, não pensava que seriam adaptados. Não penso no cinema quando escrevo, embora literatura e cinema sejam muito tênues. A literatura no século 19 já tinha um tom cinematográfico. – Milton

Não uso computador para escrever. Basta uma caneta bic e uma folha de papel, tudo é muito simples, mas quando isso vai passar para o cinema, tudo se complica. – Milton

Sérgio Machado, que está adaptando obras do escritor amazonense, falou de como Milton surgiu para ele, de como escolheu os livros, através de Maria, uma amiga sua, crítica literária. Ele pediu a ela dez livros para sondar a possibilidade de adaptação. Acabou por ir com ela à livraria. Um destes livros foi de Milton Hatoum, e os contos o fascinaram, pois eram todos feitos de imagem e ação, uma vez que Sérgio disse gostar muito mais de imagem e ação do que de diálogo.



Milton leu trecho do conto "O adeus do comandante", demonstrando um pouco desse contexto visual que permeia sua obra. Sérgio disse que pensa em seguir mais o texto original de Milton na adaptação. O diretor comentou que está fazendo a adaptação junto com Milton e Maria, o que dá ao roteiro um ar mais literário. Ele diz ser um privilégio poder trabalhar junto com Milton, que escreve muito cinematograficamente.




Sérgio então leu um pouco do roteiro, e era bastante perceptível como transbordava de imagens, mas não como um roteiro típico, havia ali um toque literário, a essência da obra estava presente, e percebi também, ao mesmo tempo, como se o roteiro fosse uma continuação do conto de Milton. O escritor escutou a leitura de Sérgio com grande atenção, como se conferindo se tudo estava no lugar certo. Quase não movia um músculo; os nós dos dedos cruzados em profunda reflexão.



A conversa fluía, instigante. Lutei para conseguir, não só assimilar e refletir tudo o que era dito, como também escrever meus apontamentos, filtrando os trechos que me fossem mais valorosos, à medida que eram ditos. Como em todas as palestras, dediquei também um tempo a observar os semblantes, ora do público, ora do trio que discursava. Enquanto observava Milton lendo, fiquei pensando o que ele sentia, ao ler ali, trechos de sua obra. Deve ser algo já comum para ele, mas mesmo assim ainda uma sensação única, e talvez até um pouco amedrontadora. Ele lia com avidez, com gosto, como se de fato vivesse tudo aquilo, acreditasse em toda aquela realidade inventada.



Entre o público, identifiquei várias pessoas que já vira nas palestras anteriores, como a curadora Mileide Flores, e a neta de Moreira Campos, Carolina Campos. Lira Neto, que há algumas horas atrás estava sentando naquele mesmo palco, podia também agora ser visto entre o público que assistia. Ele, inclusive, pediu a palavra e fez alguns comentários sobre uma minissérie de Raquel de Queiroz. O jornalista fez perguntas direcionadas aos dois palestrantes; a Sérgio, quais são os limites artísticos a que um roteirista pode se permitir? Até onde ele tem o direito de mexer na narrativa? E para Milton, como é, para você, escrever um texto originalmente para ser lido e vê-lo chegar ao texto cinematográfico?

O jornalista Lira Neto faz perguntas à mesa e chama a atenção do público

É muito ruim trair o espírito do livro, diz Sérgio, que falou ainda das obras que já adaptou, citando o filme biográfico Padre Cícero, inspirado no livro de autoria de Lira Neto, e como é difícil fazer os cortes num livro grande. Segundo o diretor, um conto é mais tranquilo de ser adaptado, sem ser preciso fazer muitos cortes.

É importante o diálogo com o escritor a ser adaptado. – Sérgio

Já Milton acha uma maluquice que o diretor faça uma cópia do original. Para ele, é meio que uma tradução de uma linguagem para outra. Milton acredita que todo escritor espera ver a essência de sua obra na versão adaptada.

Se você explicar, você mata a literatura. É preciso deixar muitas coisas em aberto. Tchekhov dizia: escreva um conto, tire o começo e o fim, deixe só o miolo. O conto se diz por si, seja breve, intenso, não diga tudo e vá cortando. – Milton

Milton falou muito no poder da imagem, de como a literatura para ele não tem comparação, não conhece fronteiras. O alcance da imagem, contudo, acaba sendo muito maior. Deu ainda uma pequena alfinetada em livros com A Cabana, livros de auto-ajuda em geral, que têm grande alcance mas pouco ou nenhum valor literário. Nesse ponto, discordo em parte. Claro que não se pode comparar, por exemplo, Crime e Castigo com A Cabana, mas daí a dizer que não há valor literário nesse último é ser um pouco extremista. Acho que tudo é muito subjetivo, afinal, se um livro faz bem a quem lê, independente do que fale ou de como fale, é o que realmente importa. A  questão estilística tem valor, com certeza, mas não deve ser o único quesito observado para esse julgamento.

A literatura é um quarto pequeno nos fundos de uma casa, e não toda essa ostentação que se faz sobre as obras cinematográficas. – Milton

Glauber Filho, mediador da mesa, diz que para ele a escrita de Milton tem um tempo muito cinematográfico.



Sérgio foi perguntado sobre como é colocar mais um personagem na obra adaptada. Ele disse que isso seria uma grande traição com o escritor. Não é preciso acrescentar nada, pois a obra por si só já prevalece. A adaptação é um encontro da subjetividade do diretor com a do escritor.

Hitchcock só adaptava porcaria. Busco sempre acrescentar um pouco meu, naquela obra que tanto me marcou, sem tirar a essência do original. – Sérgio

Toda a coisa do caráter espacial da obra vai fazer parte da obra cinematográfica, trechos simples da narração vão fazer a passagem de tempo na imagem. Houve uma editora alemã obcecada em ter a planta da casa dos Dois Irmãos – sim, a casa de fato existe. – Milton

Eu tento trabalhar com a ação e a interioridade dos personagens, um estilo conradiano. – Milton, numa referência ao escritor polaco Joseph Conrad.

Sérgio, em um dos momentos, perguntou a Milton se ele escreve biografias ou trechos sobre a vida de seus personagens, ao que o escritor amazonense respondeu:

Os escritores mentem muito. Henry James pensou e escreveu cada personagem. Ele compôs tudo, meticulosamente, cada personagem. Flaubert fazia o mesmo, pensa com cuidado em cada personagem. Eu também prefiro pensar em cada personagem. Você tem que ter um planejamento do personagem, é preciso pensar sobre eles, para saber aonde podem chegar. – Milton



Em inglês, personagem é 'character', ou seja, o caráter da pessoa. Como ela age? como ela pensa? Tudo isso tem que ser planejado – Milton

Glauber pergunta a Milton se o trabalho nesse processo de adaptação pode favorecer mais projetos similares de sua parte. O escritor diz que ainda não, que aí vai querer logo escrever um romance. Sérgio e Maria fizeram uns 87% do roteiro, eu apenas dei algumas ideias, notas de rodapé, conflitos dos personagens. Sérgio é diretor, quando ele tá com a gente, ele já vê o filme. Quem escreve, não vê a princípio o filme. – Milton

Jamais pensei em escrever. A literatura nunca me passou pela cabeça. Seria mais fácil me imaginar coreógrafo do que escritor. Penso mais na imagem. Só sei escrever imaginando a cena, a imagem. Acho o processo de escrita muito fascinante, curioso, e sempre quis entender mais esse processo. Quero aprender mais a escrever, os roteiros que vi até agora carecem de valor literário, que é algo muito inspirador. A sensação de poder filmar isso é enlouquecedora. A força do começo do conto do Milton funciona perfeitamente como imagem, sem precisar tirar ou cortar nada. É minha primeira experiência trabalhando com um escritor. – Sérgio



O mais louco do cinema é ter uma ideia e fazer de tudo para realiza-la e no final ter que tirar a cena – Sérgio

Sou muito obsessivo. Antes de filmar, escrevo um livrão, de pesquisa, de estudo, para me preparar para as filmagens. – Sérgio

Fazer um filme sobre Mário Peixoto foi como se entendesse melhor meu pai. No fundo, eu parecia falar para meu pai, através do filme. – Sérgio

Quero respeitar ao máximo a vida daqueles sobre os quais faço filmes, mas quero descobrir um pouco de mim na vida daquela pessoa. – Sérgio



No momento das perguntas do público, uma professora fez uma pergunta meio sem nexo e sentido, que demorou um tempão para ser formulada e acabaria por ser esquecida por Sérgio (eram várias perguntas dentro de uma), tendo ela que repeti-la com uma agilidade que faltou no momento inicial. Ainda assim, a pergunta continuou confusa, o diretor falou, falou mas não soube se conseguiu respondê-la. Pelo que percebi, acho que ele talvez até já houvesse respondido, em colocações anteriores. São essas típicas perguntas que podem ser resumidas a sentenças simples e diretas mas parece que todos têm um certo prazer em torná-las o mais longas e complexas possíveis.

Pouco tempo depois, Milton fez o seguinte comentário, que considero o ápice da palestra, em resposta a alguém:

Só começo a escrever um romance quando os conflitos estão armados na minha cabeça. Penso muito, e quando isso está meio armado, começo a escrever. Eles já existem antes de eu começar a escrever, pois de certa forma eles já estão na minha vida. Não consigo escrever sobre um assunto que está longe da minha vida. Gosto de romances que o leitor consiga perceber que a vida do escritor está implicada. Quando há uma entrega por parte do autor, me apaixona ainda mais. Graciliano, por exemplo, viveu aquilo, no sertão, viu um monte de coisa. Não tá escrevendo de longe, está enraizado nele. Quando tua vida tá implicada, os personagens passam por essa experiência. Quando o diretor tem um pouco dessa apropriação, é sinal de que se está no caminho certo. – Milton.

Se não houver entrega, não dá certo. Escrever é como filmar uma história de amor séria, não é qualquer namorinho não. – Milton.

E então, após uma hora e meia de palestra, a mesa chegou ao fim. Milton Hatoum agradeceu o suporte de todos e se disse comovido com o cearense, sempre hospitaleiro. Disse que entende bem isso por ser do norte, onde a presença cearense foi fundamental. Falou ainda que quando leu os 136 contos de Moreira Campos se identificou muito, eles literalmente o transformaram. O trio então desceu do palco, e se pôs a cumprimentar os fãs e amigos, em um clima descontraído que precedeu uma sessão de autógrafos com Milton Hatoum, que aconteceria ali mesmo na sala.





Sentado num birô, Milton recebeu com simpatia todos os que se dirigiram a ele. Fiquei imaginando novamente o que se passava na cabeça dele. O que estaria dizendo àquelas pessoas? E ouvindo delas? Do lado de fora, foi mais uma vez montada uma venda de seus livros, e iniciou-se o vai-e-vem de ir até lá, comprar um livro e tornar à fila, para receber o autógrafo. Me mantive observando, de longe, essa movimentação. Decididamente não estava em meus planos comprar um daqueles livros, naquela situação, por razões que comentei na postagem Infância e Memórias, de modo que permaneci lá apenas para fechar esse registro. Enquanto a maioria das pessoas se focava nos autógrafos de Milton, outras poucas conversavam com Sérgio e Glauber, ambos também bastante solícitos.





Saí da sala já por volta das 21h, com uma sensação de profundo enriquecimento, como sempre nos acontece após palestras como essa. Foi um dia muito exaustivo, no qual devo ter passado umas seis horas no centro de eventos, mas extremamente valoroso. Fiquei ainda um bom tempo com as palavras de Milton Hatoum e Sérgio Machado na cabeça, à medida que pensava e repensava o ofício de escritor, em contraponto ao de diretor. Aliás, essa foi uma das palestras que mais me fez ficar lendo e relendo a todo instante o que tinha anotado – mesmo dias depois – para buscar novamente essa sensação, esse prazer. Poder finalmente postá-la aqui é uma dupla realização, primeiro por ter ido assisti-la, depois por poder, de certa maneira, recriá-la. Esse, aliás, é bem o objetivo dessa série de postagens: recriar momentos, revivê-los.

E logo mais, na quinta postagem, a mesa Produção literária brasileira contemporânea, com o escritor Luiz Ruffato.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Bienal do Livro do Ceará 2014 (III - Mesa Biografar brasileiros)


Fotos: Denis Akel
Cena do filme O Sujeito Oculto: Google

Dando continuidade à série de postagens sobre a Bienal do Livro do Ceará 2014, enfoco agora a mesa Biografar brasileiros, que aconteceu na segunda-feira, 8 de dezembro.

Assim que a identifiquei e considerei, lendo a programação, percebi também que esse seria um dia bastante cheio, uma vez que haveria ainda uma outra mesa, novamente destacando Milton Hatoum, um dos homenageados do evento. Sabendo que passaria por uma boa maratona de palestras, nesse dia optei por não visitar os expositores de livros, e imagino que com isso com certeza economizei algum dinheiro.

Biografar brasileiros trazia os jornalistas e biógrafos Lira Neto e Mário Magalhães, mediados pela escritora cearense Socorro Acioli. O que mais me atraiu para essa mesa, inicialmente, não foi nenhum dos três, mas apenas o tema em si: biografias. Tenho cada vez mais me interessado pelo assunto, inclusive boa parte dos livros que comprei nesta edição da Bienal foram justamente biografias. A extensa pesquisa feita sobre uma vida, a responsabilidade do biógrafo ante o biografado, o tom da escrita, eram algumas das questões que sempre tinha em mente. Essa mesa me pareceu uma excelente oportunidade de mergulhar um pouco mais neste universo.

Conhecia bem do alto o nome de Lira Neto, que escreveu, entre outras, biografias de Getulio Vargas, Maysa e Padre Cícero. Sabia que ele, embora cearense, morava agora em São Paulo, e era sem dúvida uma autoridade no assunto. Já Mário Magalhães foi uma total surpresa, e muito bem-vinda. Os dois, obviamente, se conheciam há tempos, como ficou perceptível ao início e durante todo o debate. A sala, intitulada "Contos Escolhidos", em virtude à homanagem à Moreira Campos, seria novamente o palco da mesa, marcada para as 15h. Cheguei dessa vez com grande antecedência, o que facilitou a poder escolher um lugar mais à frente, bem como me preparar melhor para poder, tal como fiz na outra palestra, registrar em fotos e por escrito tudo o que pudesse.

Pouco a pouco o público foi chegando, tomando lugares. Não tardei a identificar Lira Neto e Socorro Acioli, tão logo entraram no auditório. Carolina Campos, neta de Moreira Campos, novamente se fazia presente, bem como outras pessoas que não conhecia, mas já vira na mesa anterior e imaginei também terem alguma relevância. A movimentação crescia, ainda que ficasse claro que o público total não lotaria a sala.

Mesmo antes de iniciar a palestra, Lira Neto já era solicitado pelo público
E então teve início a mesa, com um atraso de quinze ou vinte minutos. Socorro Acioli começou fazendo uma breve introdução dos convidados, sobre as extensas pesquisas que fizeram para realizarem suas obras centrais, Getúlio, de Lira Neto, e Marighella, de Mário Magalhães. Seguem então as principais colocações que pude colher, ao longo do seminário:

Sou apaixonado por pesquisa, um rato de arquivo – Mário

Há tesouros nunca remexidos nos arquivos nacionais – Mário

Cada um é legalmente responsável pelo uso que vai fazer dos arquivos públicos – Mário

Não há ar condicionado funcionando no arquivo público do estado da Bahia. O pesquisador acaba por destruir os tesouros históricos, uma vez que os documentos, seculares, não resistem ao contato manual – Mário

É preciso correr atrás. Está tudo lá, apesar das péssimas condições de armazenamento – Mário

Mário Magalhães (autor de Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo), falou um pouco do processo de coleta de dados, das longas pesquisas que precisam ser feitas, na condução da biografia, que explorou todos os detalhes da vida de Carlos Marighella e de como esse trabalho lhe tomou 9 anos. Uma curiosidade imediata surgiu em mim assim que ele mencionou os arquivos nacionais, uma vontade de conhecer esse acervo, que está aberto e disponível a qualquer um. Contudo, o alerta dado a respeito da precária conservação destes documentos foi uma surpresa. Imaginei que documentos históricos, com tanto peso e relevância, seriam mais bem preservados, mas segundo Mário muitos estão em condições lastimáveis, isso quando não acabam sendo descartados pelos próprios responsáveis do acervo.



Após este momento inicial com Mário, a palavra foi passada a Lira Neto, que agradeceu à organização do evento pelo convite, oportunidade de voltar à sua terra, e contrafez os inúmeros elogios feitos por Mário, como grandes amigos que são, um conhecendo muito bem o trabalho do outro. E então fez algumas considerações:

Moreira Campos é um dos maiores autores da literatura universal – Lira Neto

A pesquisa para o livro Getúlio teve vários eixos, em Berlim, Roma, entre outros, uma vez que o próprio Getulio se envolveu com o nazi-facismo – Lira

Getúlio guardava tudo o que escrevia, de modo que isso facilita o trabalho de qualquer um que quiser biografá-lo. Boa parte desse arquivo pode ser acessado pela internet – Lira

O site da biblioteca nacional fornece a qualquer um conteúdo de alto valor histórico – Lira

Há tesouros pedindo para serem visitados, tais como as cartas trocadas entre Getulio e sua filha, Alzira – Lira

Era preciso fazer um trabalho de confiança pessoal com as pessoas dos arquivos, para se ter acesso, pouco a pouco, aos documentos mais importantes – Lira

Há um filme que homenageia Guimarães Rosa, O Sujeito Oculto, que foi amplamente proibido de divulgar a imagem do autor, pois os herdeiros se julgaram donos de sua imagem, de modo que foi preciso recortá-lo de todas as imagens para o lançamento deste – Lira

Cena de O Sujeito Oculto, na qual se vê claramente o recorte onde Guimarães Rosa deveria estar

A legislação hoje autoriza que se queime os arquivos do ministério do trabalho com algumas décadas de existência – Mário, que acredita que tal medida dificulta o trabalho de pesquisadores, pois muitos documentos que podem vir a ser importantes acabam sequer sendo descobertos).

Durante toda a palestra, observei a propriedade com a qual ambos, Lira e Mário, versavam sobre seus temas, seus biografados. Eram tão naturais, quanto ao que diziam e defendiam, com amplo e preciso conhecimento de datas e fatos, quase como se tivessem conhecido de fato seus retratados.

"Isso eu nunca contei pra ninguém", frase que enlouquece qualquer biógrafo ou pesquisador, diz Mário, que entrevistou 256 pessoas, das quais 40 já morreram, tão velhinhas como ele (Marighella).

A grande informação, que é fundamental pro teu livro, pode te valer um capítulo, mas é tão bom quando surge uma história simples e você percebe que ali pode estar o final de seu livro – Mário

Ambos os autores, Lira e Mário, partilham a ideia de que a avidez de informação pode inundar a vida do biógrafo, fazendo-o se dedicar integralmente a isso, e que jornalistas, por se aterem apenas a contar a verdade, ficam frustrados quando por acaso algo que julgar saber se revela como errôneo.

A cada biografia feita, fica a apreensão: será que o livro será publicado? Será que ficará muito tempo nas livrarias? Terá problemas com os herdeiros? – Lira

Lira contou ainda as polêmicas que teve com a Rede Globo, por conta de não colocarem seu nome nos créditos da minissérie Maysa. Disse que assistiria à série, e caso encontrasse nela alguma informação que ele tivesse descoberto, tomaria as medidas cabíveis. Felizmente, ao final, pelo que consta, a emissora voltou atrás e creditou o jornalista.

Muitas vezes a pessoa sabe que pode se machucar emocialmente lendo uma biografia (caso da neta de Getulio) mas sabe da importância de alguém escrever e relatar aquela história tal como ocorreu – Lira.

Mário abordou a questão das biografias não autorizadas e sua fragilidade, de modo que a todo instante pode surgir algum herdeiro; filho, sobrinho ou neto, que tem plenos poderes para tirar o livro de circulação, uma vez que se sinta de alguma maneira ultrajado, caluniado. Isso é uma tragédia, pois faz com que inúmeros projetos não andem, tamanhas as dificuldades. O autor de Marighella também citou os problemas da legislação brasileira, que dificulta todo o trabalho não só de biógrafos como de qualquer artista que por acaso venha  cruzar com herdeiros ou descendentes, que impeçam exposições, filmes, livros e afins. É uma tragédia.

A mesa seguiu, a química entre os dois era notável, moldando a palestra com um ar de conversa informal. À medida que eu assistia, vez ou outra virava a cabeça para as pessoas do público. É sempre interessante ver as expressões, os comportamentos, perceber como aquilo parece mudar também aquelas outras pessoas. Houve um momento bastante curioso, no qual uma pessoa da plateia, subitamente, sem qualquer razão aparente, começou a bater palmas ruidosamente, durante uma fala de Lira. Não sei se por concordar muito com o que ele dizia, ou talvez só por ironia, mas atenção ele certamente conseguiu chamar.

Em um dos momentos finais, um senhor com o cabelo levemente azulado, sentado à primeira fileira, disse a Lira Neto, em tom quase profético, que deveria se fazer a biografia de um grande cearense, Edson Queiroz. Lira, calmamente, limitou-se a dizer que não fazia biografias encomendadas, e seguiram-se aplausos de todos. O homem de cabelo azul ficou ainda perdido numa exclamação de surpresa, antes de ser absorvido nas palmas do público. Chegava ao fim a mesa.


Em seguida, houve ainda um breve momento no qual ambos autografaram seus livros e conversaram mais um pouco com os mais interessados. Nesse momento, tratei de rever o que tinha escrito e colhido da palestra, percebendo uma boa dimensão de tudo o que fora falado, além de tudo o que não consegui registrar, mas apenas sentir e refletir. Essa, com toda a certeza, foi uma das melhores mesas que pude assistir da Bienal, por ter desvelado minúcias e peculiaridades que fazem parte do trabalho do biógrafo.

Antes de encerrar, aproveito a oportunidade para falar mais um pouco sobre o filme O Sujeito Oculto. Por se tratar de um filme sem fins lucrativos, ele está disponível no Youtube, neste link, e o  recomendo imensamente. O filme enfoca uma viagem feita por Guimarães Rosa com um grupo de vaqueiros, em Minas Gerais – mas vai bem além disso. Por conta da impossibilidade de se usar a imagem do escritor, a obra adquiriu um ar de protesto, em prol do direito e da liberdade de se contar uma história. Afinal, é bem como Lira Neto e Mário Magalhães falaram: herdeiros e descendentes se julgam mesmo donos de imagens e, como o filme completa, imagens que se não forem lembradas, homenageadas, tendem mesmo é a ser esquecidas.

Na próxima postagem,  a mesa Milton Hatoum no cinema.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Bienal do Livro do Ceará 2014 - (II - Mesa: Infância e memórias)


Fotos: Denis Akel

Após a extensa postagem anterior, na qual falei em detalhes de minhas vivências e impressões da XI Bienal Internacional do Livro do Ceará, agora comentarei brevemente sobre algumas das mesas e palestras que pude assistir, ao longo do evento. Para começar, a mesa Infância e memórias, que foi a primeira a me chamar a atenção, por trazer a participação do escritor Milton Hatoum. 

Milton Hatoum, escritor amazonense com descendência libanesa, foi um dos homenageados desta edição da Bienal, ao lado do contista Moreira Campos e do poeta Antonio Girão Barroso. Milton fez ainda a conferência de abertura do evento, a qual infelizmente não pude ir. Para minha satisfação, o escritor ainda estaria presente em duas mesas, das quais esta e mais uma, tema de uma futura postagem desta série.

Ainda não tive oportunidade de ler Milton, sequer tenho nenhum de seus livros, mas já o conheço um pouco, de entrevistas e participações em outros eventos literários, como a FLIP e a Fliporto. Por ser um dos autores contemporâneos de grande expressividade (e também por simpatizar com seu lado libanês, pois também tenho um pouco dessa descendência) senti que deveria aproveitar essa oportunidade, abraçando essas duas palestras, uma vez que já perdera a abertura. 

Pelo título desta primeira mesa, Infância e memórias, imaginei que estes dois temas seriam amplamente explorados por Milton e os demais que a compunham. Temas, inclusive, que têm me fascinado bastante ultimamente, na figura de recordações da infância, memórias que guardamos muito bem e que volta e meia retornam com tanta intensidade que nos sentimos quase perdidos, desorientados, em contraponto à vida atual. É um tema, ainda, do qual tenho trabalhado bastante em meus escritos, de tal forma que essa palestra certamente muito me ensinaria. 

A mesa era composta por Milton Hatoum, Carlos Augusto Viana e Fernanda Coutinho, com a mediação ficando a cargo de Aila Sampaio. Sendo sincero, esses nomes (exceto o de Milton) me vêm agora facilmente graças a uma colinha no folheto da programação. Meu interesse maior nessa palestra, como já mencionei, era mesmo no escritor amazonense. Diego Akel, meu irmão, que estava mais uma vez comigo, reconheceu Carlos Augusto Viana como um antigo professor de literatura, de um passado longínquo e que provavelmente não se lembraria dele. 

Por ainda estar me reacostumando às dependências do lugar, o Centro de Eventos, demorei um pouco além do esperado entre os estandes de livros, de modo que ao chegar ao mezanino 2, local onde ficava a sala da palestra, encontrei a porta fechada. O receptivo me disse que já havia começado. Entrei com certa contrição. Felizmente ainda bem no início, mas os lugares mais à frente, todos ocupados. Sentamos à média distância e procurei então me concentrar no que estavam falando, uma vez que é difícil chegar assim, no meio de uma fala, no meio de uma ideia, exigindo dedicação para se pegar o fio do debate. Quem falava, na ocasião, era Fernanda Coutinho e tentei, muito, entender o que ela dizia, mas o contexto me limitava, só percebendo que se tratava de algo referente à obra de Milton. Ainda que pouco, os instantes perdidos da palestra fizeram falta. Tudo bem, esperei a palavra passar adiante, à medida que ia me familiarizando com quem era quem, e já me preparava para registrar o que fosse possível da palestra, fazendo rápidas anotações.

Em seguida, Milton completou a fala de Fernanda, agradecendo as palavras que lhe cabiam, e disse ainda que em geral os críticos literários fazem comentários diferentes de um leitor comum, que por isso eles representam um quê a mais, uma opinião mais significativa. Aqui, porém, não pude esconder certa decepção, pois parecia que, ao dizer isto, ele desprezava a voz dos leitores comuns, valorizando tão somente os críticos. A meu ver, este desdém foi totalmente desnecessário, uma vez que ali naquela plateia certamente havia bem mais leitores casuais do que críticos, o que torna tal comentário em quase uma ofensa.

Esperei que de fato entrassem nos assuntos pertinentes ao tema, e logo foi a vez de Aila Sampaio, a mediadora, fazer um aparte, e iniciar de fato o escopo da mesa. Ela começou dizendo que o tema da infância é um dos principais da literatura, em seguida leu trechos de obras de Milton Hatoum, bem como fragmentos que pareceram ter sido escritos sobre o autor, para aquele momento. Após este breve momento introdutório, Aila levantou as seguintes perguntas para Milton, que foram alicerces para se desenvolver toda a conversa.

O que é a infância para o escritor? Que peso essa fase da vida tem para ele?
Como é trabalhar com tantas infâncias diferentes? (no caso de diferentes personagens)

Milton Hatoum começou dizendo que a infância é uma literatura sem memória, da qual se leva muito e ao mesmo tempo muito se esquece. Disse ainda que literatura deve falar do passado, que ao presente compete mais a voz do jornalista. Para ele, o escritor deve esperar o tempo passar, dar mais espessura ao passado, esperar mesmo o esquecimento. Citou ainda o escritor argentino Jorge Luis Borges, ao dizer que o esquecimento é uma das formas da memória.

Ainda sobre a infância e seus mistérios, Hatoum leu um conto (não lembro se era ou não de sua autoria), que dizia que o medo é uma das lembranças mais intensas dessa fase da vida e que aos 5 ou 6 anos de idade, você acredita em tudo. Fiquei um bom tempo refletindo a intensidade dessas sentenças, e percebendo como de fato a infância é um celeiro de medos, traumas e afins, que muitas vezes perpassam essa fase. A quase ingenuidade infantil, de acreditar em tudo, é também igualmente interessante, de modo que é nessa fase que a imaginação aflora, e tudo parece se transformar, tudo parece ser o que muitas vezes não é; o mundo tem um peso diferente, único dessa fase, e talvez isso seja justamente a origem desses medos.

Seguem agora trechos da mesa, tal como os coletei, seguidos ocasionalmente de alguns comentários:

No momento em que se escreve, tem-se que ter a coragem de romper certos limites, certos pudores – Milton Hatoum, que acredita que o livro depende muito dessa coragem que o autor precisa ter no ato da escrita, uma coragem que muitas vezes ele pode não ter fora dela.

Muitas lembranças da infância são transformadas pela imaginação, força motriz da literatura. – Milton, que considera a imaginação como grande agente transformador, capaz de mudar realidades, fronteiras, memórias. Essa ideia ficou um bom tempo em minha mente, percebendo que de fato a imaginação é como um tempero especial, engrandecendo e rompendo limites. Não pude deixar de lembrar também da célebre máxima de Einstein: a imaginação é mais importante que o conhecimento.

Um livro sem imaginação corre o risco de virar uma reportagem – Milton, estabelecendo novamente a relevância que a imaginação tem numa obra, sem a qual pode-se mudar radicalmente de direção.

A tela usurpou a infância das crianças – Milton, referindo-se a essa evolução tecnológica que cada vez mais nos transforma.

As crianças dão muita energia pra gente, física e mental – Milton, falando sobre a ocasião da publicação de um livro seu, que acelerou a produção após o nascimento de seu filho. O livro acabou sendo bastante premiado, e o escritor atribuiu o nascimento do filho como incentivador. – Claro que é um trabalho a mais, ainda pra mim que fui pai coroa, e já não posso passar tanto tempo lendo em minha rede, e isso para um amazonense é difícil (risos).

Mesmo estruturando o que se escreve, na hora de escrever o imprevisível faz sua parte. Muitas vezes, o esboço não corresponde ao que se escreve de fato. – Milton

O conto tem que ser perfeito, como um trabalho de relojoeiro – Carolina Campos, neta de Moreira Campos, que esteve presente em boa parte das mesas e sempre tecia ótimos comentários, complementando bem os debates.

Atualmente, prosa e poesia estão fundidas – Carlos Augusto Viana, que acredita que ambos os conceitos se entrechocam, e meio que se alimentam um do outro, sem prevalecer esse ou aquele.

Todo escritor de prosa tem inveja do poeta, e vice-versa. O poeta quando quer fazer romance, é traído pelo conto. O romancista, ao tentar poesia, acaba contista – Carlos, em uma curiosa correlação entre os dois ofícios, um ponto de vista bem peculiar.

A grande literatura árabe é poesia, desconsidera os romances. Os grandes escritores árabes são grandes poetas, pois a origem da literatura é o óraculo. Dizer com sentimento e com poucas palavras e se criar tudo. Ambos, prosa e poesia, se remetem a uma totalidade. – Milton

Para finalizar, no momento da participação do público, surgiu uma pergunta, feita por um rapaz que citou inúmeros escritores e críticos literários, uma pergunta chata e arrastada que poderia com certeza ter sido reduzida a uma simples sentença, ainda que desse modo o rapaz não pudesse exibir todo o seu "saber". Da mesma forma como não lembro o rebuscado que foi essa pergunta, lembro pouco também da resposta de Milton, que, muito respeitosamente, ouviu-a com grande atenção e respondeu de maneira abrangente. Me pareceu que a pergunta era se havia algum escritor que Milton considerava à altura dos grandes nomes mundiais ou algo assim. O escritor amazonense, após versar e considerar vários fatores, disse: a habilidade é você não dizer explicitamente as coisas. Machado e sua obra de contos não deve em nada aos grandes contistas.



A mesa então chegou ao fim, sob vastos aplausos. Ao todo, uma hora e meia de duração (tempo médio de todas as mesas) e demonstrou bem o que ainda estava por vir nas demais, que com certeza seguiriam a mesma estrutura. Só uma coisa que estranhei bastante, nesta edição da Bienal, foi o fato de não haver mesas, literalmente, nas mesas. Nem mesa, nem bancada, nada. Em 2012, uma bancada muito bem alinhada deu suporte a todas as palestras. Desta vez, porém, havia somente poltronas, e nada mais. Era inegável que assim tudo ficava mais informal, menos sério, com ar de uma simples conversa, mas de certa maneira ressaltava um pouco do ar improvisado do evento, que falei no post anterior. Não havia sequer mesinhas de apoio, e garrafas e copos d'água dos palestrantes tinham de ser grosseiramente acomodados no chão. Um dos convidados inclusive, em uma das mesas chegou até a dizer, em tom de brincadeira: é um prazer estar aqui nesta mesa... apesar de não haver nenhuma mesa aqui...

Do lado de fora, ao término da mesa, havia uma venda de livros de Milton Hatoum. A movimentação de pessoas em volta era enorme, e pude perceber nelas um interesse que pareceu não existir durante toda a palestra do escritor. Mas seria mesmo interesse? Ou talvez apenas para comprar o livro e conseguir o autógrafo? Será que todos leriam mesmo aqueles livros? Sondei os preços – altíssimos para uma Bienal – mas isso não continha a multidão de pessoas, que exibiam cédulas de cinquenta, cem, cartões de créditos. Os livros iam sendo vendidos a uma velocidade que invejaria os expositores de livros por dez reais. Como falei no início desse texto, não tenho nenhum livro de Milton Hatoum, e até cogitei adquirir um nessa ocasião, mas é um grande absurdo um evento deste porte vender livros pelo mesmo preço de livraria. Não comprei, e procurei, ao longo de todos os dias seguintes, livros do autor entre todos os estandes de expositores, sem sucesso. Não havia nenhum livro de Milton Hatoum, quase como se tivessem sido erradicados de propósito, num premeditado plano para se aproveitar da presença do escritor e assim poder vender seus livros ao preço comum, sabendo que venderiam, pois seriam os únicos do evento, e ainda poderiam dar ao "felizardo" comprador a chance de ter um autógrafo do autor.



Enfim, Infância e memórias mostrou-se um debate bem consistente, que talvez não tenha incidido tão diretamente nos pontos que eu imaginava, mas trouxe outros bem interessantes, como a questão do valor imaginativo do texto e a relação entre memória e esquecimento, gerando uma boa reflexão que certamente não será esquecida.

Na próxima postagem desta série, a mesa Biografar brasileiros, com Lira Neto e Mário Magalhães.