Frases


"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

II Feira do Livro de Fortaleza - Walcyr Carrasco (II)


Fotos: Denis Akel

Dando continuidade ao primeiro post sobre a presença do escritor e autor Walcyr Carrasco, que fechou a programação da II Feira do Livro Infantil, em setembro passado aqui em Fortaleza, comentarei agora sobre um dos momentos mais esperados por todos: a sessão de autógrafos.

Ao final de sua palestra, que durou cerca de uma hora, Walcyr foi ovacionado fervorosamente. Chegara o momento dos autógrafos. O narrador do evento, de posse do microfone, começou então a orientar como seria o procedimento. A multidão de pessoas se levantou das cadeiras, ainda sem saber muito bem para onde deveria se dirigir. Lembro de que bem no início da aprensentação, foi dito que Walcyr, devido à grande demanda do público, não falaria com cada um individualmente. Informaram que quem tivesse algo para dar a ele, teria de dar à produção, e esta a encaminharia ao escritor. É engraçado que mesmo assim uma pessoa do público conseguiu lhe dar um livro, sem toda essa formalidade, como falei no primeiro post. Entendi então que talvez ele não desse uma sessão de autógrafos aberta, e lembrei-me de imediato de como Maurício de Sousa tinha feito, na Bienal do Livro de 2010 (dando autógrafos em uma salinha separada, veja mais aqui).

Contudo, desta vez não chegaria a esse ponto. A produção aparentemente voltou atrás. É certo que não havia mais de mil pessoas, como lá no dia do Maurício, logo não haveria necessidade de tanto. Assim, os autógrafos seriam mesmo dados ali na tenda. Walcyr se dirigiu para uma mesinha que foi arrumada em uma das extremidades desta. Todos o seguiram quase de imediato e uma fila começou logo a se formar. Sem hesitar, fui logo em direção a ela; o livro, O caçador de palavras, firme nas mãos. Quando consegui tomar a fila, já estava com umas cinquenta pessoas à frente. E mais e mais iam chegando, extendendo-a até quase fora da tenda. Mentalmente, enquanto não chegava a minha vez, ocupei-me em meio que ensaiar o que iria dizer ao Walcyr. Com o passar dos minutos, uma certa apreensão crescia em mim. Pensei em desistir, sair da fila. Por alguma razão me sentia subitamente quase incapacitado. É sempre uma situação de certo nervosismo quando temos a oportunidade de falar com alguém cujo trabalho exerce tanta influência em nós, ficamos sempre meio abobalhados, ainda mais quando vemos que não teremos mais do que alguns breves minutos, ou até segundos.

De onde estava, alternei olhares entre onde Walcyr deveria estar, no começo da fila, imerso em uma grande massa de pessoas, a fila atrás de mim e para as pessoas que iam saindo com seus autógrafos. Enquanto observava, refletia. Ora, todos estavam ali com um objetivo: ter um contato, por menor que fosse, com o autor. Embora eu ainda desconfiasse que talvez a maioria estava ali mesmo era pela badalação. Olhei então para meu livrinho, amarelado pelo tempo, não mais editado, quase esquecido, que não era um dos livros novos e recentes do autor, que enchiam o estande da Editora Moderna, e pensei que provavelmente seria único ali. Não que eu esteja menosprezando os outros, mas eu julgava estar naquela fila por bem mais que um simples e mero autógrafo. Aquele livrinho significava muito para mim. Praticamente me inclinou à literatura, juntamente com outros três (que mencionarei aqui em outro momento). Ter a oportunidade de estar diante do autor, que a princípio não faz ideia de nada disso, é um momento indescritível. Gostaria de poder conversar com ele mais livremente, saber de onde veio a ideia para aquela história, como foi escrevê-la, comentar que estou seguindo um caminho similar e por aí vai, mas eu bem imaginava que ali, naquele momento, talvez nada disso fosse possível.

O trechinho abaixo mostra um pouco da movimentação da fila:



A fila caminhava, e eu notava que todos passavam realmente pouquíssimos minutos, senão segundos na vez. Claro que seria impossível dedicar muita atenção a todos, imaginei. Walcyr recebia as pessoas com um sorriso e já esperava o livro, ou o que quer que fosse, para assinar (teve gente que quis que ele autografasse a camisa que vestiam!). Depois, elas saiam pela lateral, e a próxima avançava, mecanicamente, como um automóvel que espera o semáforo abrir. Olhando para aquela cena, pensei comigo: Walcyr está aqui quase como um semi-deus, adorado e idolatrado por todos, com pompa de héroi, mas não se pode esquecer que antes de tudo ele é uma pessoa comum, que soube aproveitar as oportunidades que lhe surgiram na vida, e que teve seu talento reconhecido. Como ele mesmo disse, chegou aonde chegou com muito trabalho. Todos temos esse potencial. Então, não havia a necessidade de se criar muros entre mim e ele, e certamente havia mais alguém naquela fila com ideais semelhantes aos meus. Mesmo tendo essa consciência, ainda não consegui me sentir inteiramente à vontade, embora já estivesse mais focado.

Faltando mais ou menos dez pessoas à minha frente, percebi que não poderia mais voltar atrás, não poderia (nem deveria) desistir. Iria em frente agora de qualquer jeito. Walcyr enfim se tornara visível a meus olhos, quando a aglomeração em volta dele começou a se dissipar. Podia vê-lo dando as assinaturas. Continuei organizando mentalmente o que queria dizer para ele: "Walcyr, é um prazer conhecê-lo...", "Esse livrinho é um dos meus favoritos...", "Eu também escrevo...", "Seu livro me influenciou muito...". Frases como essa pipocavam a todo instante em minha mente. Sabia que não seria possível dizer tudo o que gostaria, mas era preciso tentar. Não estava querendo falar nada referente às novelas, por já ser um assunto tão comum e de certa forma desgastado naquele momento. Com apenas duas pessoas à minha frente, eu já me sentia quase diante dele.Vi os dois seguranças, de expressões impassíveis, próximos à mesa. E então, enfim chegou a minha vez.

Cumprimentei Walcyr com um olhar, e disse que era um prazer conhecê-lo. Walcyr balançou a cabeça, em um gesto semi-automático. Em seguida, soltei o livrinho na mesa diante dele. Foi tudo muito rápido, e mesmo mais calmo senti as frases que tanto ensaiara antes me fugirem. Walcyr então esboçou uma exclamação de surpresa: "Ah, esse livro...", como que se ele próprio não o visse há muito tempo. Me pareceu que ainda diria mais algo, continuando sua colocação, mas acabei cortando-o, jogando as coisas que queria lhe dizer, começando a aproveitar o pouco tempo que teria. Se ele tinha ou não mais algo a dizer sobre o livro, jamais saberei. Depois que eu falei uma ou duas frases, para um Walcyr agora sorridente, ele perguntou meu nome, já com a caneta em riste no punho e o livro com a primeira página virada. Claro que o objetivo daquela fila era mesmo o autógrafo, e não ficar conversando com o autor, mas não pude evitar de sentir naquela pergunta uma maneira de me encerrar logo, como que para apressar a fila, e dar passagem ao próximo "automóvel" – ou talvez fosse só impressão minha. Dito meu nome, a mão de Walcyr começou a fazer seu trabalho, assinando friamente o livrinho. Aproveitei esse ínterim para dizer o quanto aquele livro era significativo para mim, sem antes dizer, é claro, que eu também escrevia. A trama do livro, que envolve etimologia, me fascinara de imediato na primeira vez que li, anos atrás, e desde então passara a gostar e me interessar pela área. Walcyr concordava com a cabeça, enquanto terminava de assinar. Depois virou o rosto para mim, entregando o livrinho. Eu disse ainda que admirava muito seu trabalho, que gostara da palestra e que sempre acompanhava seu blog. Agora vejo que talvez pudesse ter falado algo menos clichê, mas na hora foi apenas o que me ocorreu. Walcyr concordou novamente com a cabeça, dessa vez olhando para mim. Senti que de certa forma meu tempo se esgotara.

O livrinho, em minhas mãos, já estava autografado e eu teoricamente já deveria ter deixado os "holofotes", já devia abrir espaço à pessoa de trás. Walcyr olhava para mim como se esperasse que eu fosse dizer mais algo. Naquele momento, porém, temi não conseguir articular mais nada a dizer, sem cair em repetição. Após falar do blog, agradeci a ele, e acabei saindo pela lateral. Enquanto andava, notei que Walcyr ainda continuou me olhando, por breves segundos. Era como se ele ainda quisesse me dizer algo, ou como se sentisse que eu tinha mais a dizer, mas de certa maneira estava tão incapacitado quanto eu. A enorme fila que estava às minhas costas esperava, pacientemente, para ser atendida. Talvez Walcyr esperasse que eu quisesse fazer uma foto com ele, como muitos ali desejavam, mas esse não era bem meu objetivo. Sim, minha vez acabou sendo muito rápida, muito abrupta. Segundos depois que saí da tenda, Walcyr, após me acompanhar momentaneamente com o olhar, tornou a virar o rosto para o próximo, que já lhe estendia o livro a ser autografado.

Enquanto caminhava, saindo dos arredores da Praça do Ferreira, olhei novamente a assinatura que Walcyr me deixara. Tinha esperado cerca de trinta minutos para apenas trinta segundos. Mas era isso mesmo. Ao menos eu tinha conseguido lhe dizer algo. Fui numa lanchonete próxima, onde tomei um suco e fiquei repensando toda esta situação. Recordava o que havia dito, em um hábito típico de pensar se tinha agido bem. Comecei a crer que talvez tivesse falado tudo muito rápido. Talvez Walcyr não tenha entendido quase nada do que falei. Mas procurei não me preocupar, pois sabia que alguma coisa ele tinha entendido sim. Sua exclamação de surpresa ao ver o livrinho não deixava dúvida. Eu me senti bem, de certa forma realizado, apesar do momento ter sido tão breve e direto. Quando terminei o suco e retornei à praça, a fim de olhar alguns livros nos estandes, vi que ainda havia um enorme burburinho na tenda principal, e perguntei a mim mesmo se seria possível Walcyr ainda estar ali. Já se passara uns quarenta minutos desde que eu saíra da fila. Apurei a vista, à medida que me aproximava, até que o vi emergir do contigente de pessoas que lá estava. Sorridente, Walcyr começou a deixar a tenda, ladeado por seus seguranças. Algumas pessoas ainda tentavam segui-lo. Ele seguiu alguns metros, na direção de onde havia sido montado um palco para shows e desapareceu por entre uma portinha lateral que se camuflava a uma parede. Tudo foi muito rápido.

Ainda retornei à praça, onde desfrutei mais um pouco dos últimos momentos da feira, passeando pelos estandes. Nesse dia, no caminho de volta para casa fiquei olhando a assinatura. Ela inegavelmente exercia em mim um certo ar de conquista. Por várias razões, imagino, mas primeiramente por ser o primeiro autógrafo ao vivo que consigo, e por ele ter sido dado em um livro que tanto me estima. No dia seguinte, Walcyr deixaria Fortaleza e retornaria à sua rotina de trabalho no eixo Rio/SP. As pessoas que estiveram na Praça do Ferreira, durante sua palestra, àquele 17 de setembro, com certeza foram marcadas por suas palavras, umas mais, outras menos, é fato, mas o autor se fez ouvir de maneira geral, expondo um pouco de sua carreira, do início à fase atual. É sempre interessante saber como escritores e autores dão seus primeiros passos, principalmente aqui no Brasil, onde não há muito suporte ou incentivo nessa área. Gostei da palestra, das palavras de Walcyr, apesar de achar que talvez houvesse mais variedade de assuntos e perguntas se ele não estivesse com uma novela no ar na época. Não que eu esteja excluindo as telenovelas de sua obra, mas a maioria das perguntas acabou centrada nelas e como ele estava em uma feira literária, seria mais interessante se o foco principal estivesse mesmo nos livros e na literatura. Contudo, quem faz uma boa palestra, além do palestrante, é o público, e é evidente, porém, que se não fosse a novela em questão, provavelmente uma boa parte das pessoas não teria comparecido!





3 comentários:

  1. Eu estive lá. Poderia te dizer, eu sou o assessor do Walcyr, mas sou mais que isso, sou amigo dele há 20 anos. Estive em Fortaleza porque fui eu quem teve a ideia de oferecê-lo a FEIRA, e fui eu quem negociou como seria essa participação. È claro que a FEIRA DO LIVRO DE FORTALEZA, não foi o primeiro evento do qual participamos, mas posso te garantir que ESSE foi especial. Tudo ali foi mágico, organizado, caloroso, inesquecível. Mas seu comentário me chamou atenção para um aspecto deste tipo de evento no qual nunca pensamos; quem são aquelas pessoas que nos prestigiam? O que sentem e que impressão carregam após um contato, breve, com um autor como WALCYR CARRASCO?

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  2. Naquele burburinho todo, nos esquecemos que se trata de seres humanos, com seus sonhos, expectativas, histórias de vida, de perda e ganhos. No esquecemos que se trata de pessoa que na busca por um sonho, encara esse evento e esse, breve, contato, como parte de um sonho.
    Com certeza, eu cruzei com você na fila para autógrafos, já que cabia a eu organizá-la e cuidar para que "a pessoa", "não passasse mais tempo do que o necessário diante do escritor". Na ânsia de cumprir bem com esse compromisso e essa obrigação, também eu me esqueci, ou não parei para notar que ali, na Praça do FERREIRA, naquele evento, era a vida se repetindo ou se fazendo como todos os dias, todos os momentos, quando estamos presentes fisicamente, mais ausentes com o coração. Sem tempo para o "exterior". Cegos e surdos para tudo que não seja nossa obrigação ou nossa posição.
    Em momentos como esses, levados pela ansiedade de viver segundo o protocolo, esquecemos que a vida é feita de detalhes preciosos, como o sorriso desinteressado dos que cruzam conosco nas ruas. A conversa do passageiro que senta ao nosso lado no ônibus coletivo, o leito que compra (às vezes com sacrifício) um livro. O fã que enfrenta a fila, o calor e a indiferença dos seguranças, em busca de um contato e um breve olhar do autor. O iniciante que trabalha em silencio e na solidão, sonhando um dia alcançar o mesmo reconhecimento do ídolo.
    Immanuel KANT escreveu que:
    - Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos, e não sem motivo; Nunca nos procuramos como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos? Com razão alguém disse: "Onde estiver teu tesouro, estará tb seu coração". Nosso tesouro esta onde estão as colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras do mel do espírito, tendo no coração apenas um propósito; levar algo para casa. Quanto ao mais da vida, as chamadas "vivências", qual de nós pode levá-las a sério? Ou ter tempo para elas? Nas experiências presentes, receio, estamos sempre "ausentes": nelas não colocamos o nosso coração. Para elas não temos ouvidos. Como alguém divinamente disperso e imerso em si, a quem os sinos acabam de estrondear no ouvido as doze batidas do meio dia, e súbitas acorda e se pergunta “o que foi que soou?", também nós por vezes abrimos depois os ouvidos e perguntamos surpresos e perplexos,” o que foi que vivemos?"

    Seu texto me fez lembrar Kant e tantas outras coisas...

    Espero que o autografo concedido pelo Walcyr, tenha, pelo menos, trazido alguma alegria prá você.

    E de, todo coração, OBRIGADO por ter estado lá... Sem VOCÊ, nada daquilo faria sentido...Os organizadores não investiram tempo e dinheiro para que o WALCYR ESTIVESSE LÁ, mas também, para que você estivesse lá, pois lá, assim como na vida, ninguém é simplesmente espectador, mas parceiro fundamental, para que o grande espetáculo se realize.

    Você cumpriu sua parte com louvor. Ao entrar na fila e enfrentar todos os percalços até chegar "sua vez", deu ao WALCYR CARRASCO, o reconhecimento que ele tanto busca e procura fazer por merecer.

    Só me entristece pensar que, talvez, não tenhamos dado a você, o reconhecimento que você merece, por cumprir tão bem seu papel, não só no evento, comparecendo, mas na vida, não desperdiçando o talento de escritor que DEUS te deu.

    Sucesso. E obrigado por tudo o que nos deu.

    Júlio Kadetti

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  3. Júlio, suas palavras me fazem sorrir. São comentários como o seu que me motivam a seguir com este blog, a passar às vezes várias semanas envolvido em um ou dois posts.

    Não somente pelos elogios e considerações que fez, mas por você ter captado a essência do que eu quis, ou tentei trasmitir em palavras. Aliás, considero isso bem mais do que um simples comentário, uma vez que você dedicou seu tempo aqui, ao ler pacientemente tudo o que escrevi e ainda se dar ao trabalho para comentar, e tão sabiamente. Considero suas palavras um excelente complemento ao meu texto, e agradeço-lhe por elas, as quais já tenho como um presente.

    O contato com Walcyr foi, como você mesmo disse, caloroso, acima de tudo, e me trouxe sim uma satisfação única, mesmo sendo breve, mas intensa o suficiente para me motivar a escrever e reviver esta cena tão marcante.

    Obrigado novamente!

    (P.S: peguei seu contato)

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