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"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



segunda-feira, 3 de maio de 2010

Bienal do Livro 2010: minhas impressões (VI- Maurício de Sousa)


Vamos lá, a mais uma parte desta série de postagens. O texto sobre Maurício ficou um pouco mais extenso do que eu imaginava, e também levou bem mais tempo além do que previ, mas como este foi, invariavelmente, a grande sensação da Bienal, merecia uma postagem à altura, de uma maneira ou de outra. A data da postagem está como 3 de maio, dia em que comecei a trabalhar nela, mas só vim a finalizar o texto no dia 8, data real da postagem ;)

Passada a participação de Pedro Bandeira, havia ainda duas palestras que me interessariam: Maurício de Sousa e Marina Colasanti. Maurício, na verdade, eu acabaria indo mais pela curiosidade, por ter a oportunidade de assistir a uma palestra dele. As historinhas da Turma da Mônica fizeram parte da minha infância, como acredito que tenha sido com tanta gente, e ter a chance de ouvir algumas palavras do criador de personagens tão queridos era sem dúvida uma oportunidade a ser agarrada. Maurício de Sousa seria o grande destaque do último dia da Bienal do Livro do Ceará, na opinião da maioria das pessoas. Além de tudo, esse último dia também foi marcado por ser o Dia Nacional do Livro Infantil, embora não tenha havido nenhuma grande menção a esse fato na palestra de Maurício.

O que complicou um pouco, para mim, foi o fato de a palestra dele ser no mesmo dia de Marina Colasanti, o que me faria ter de passar a tarde inteira no evento. Tudo por causa do horário meio inusitado escolhido para Maurício, que falaria sobre o tema Como fazer quadrinhos e dar certo no Brasil? a partir de 13:30, indo até 15:30. Enquanto Marina começaria sua palestra às 17:00. De imediato, já sabia que de todos os dias que fui, esse seria o mais cansativo da Bienal, não só pelas palestras em horários próximos, mas sobretudo pelo grande tumulto de pessoas que certamente estaria em cada metro do espaço.

Por conta da gravação do programa ABZ do Ziraldo, que foi de 12:00 às 12:45, acabei saindo de casa quase às 13h. No caminho até o Centro de Convenções, me perguntava se realmente haveria muito público; se quem sabe não houvesse uma fila tão grande afinal. Mas parei de me indagar a esse respeito no momento em que notei um grande congestionamento nas ruas: carros e mais carros enfileirados nas proximidades dos acessos do evento. Um trecho que nos dias anteriores era percorrido em poucos minutos desta vez consumiu um tempo considerável, em meio a buzinas e roncos de automóveis furiosos.

Só consegui adentrar a Bienal por volta das 13:15. Logo à entrada, me deparei com um intenso turbilhão de pessoas, se deslocando desordenadamente nas mais variadas direções. Perguntei então a alguém da organização a respeito de Maurício de Sousa. Fui então informado que a palestra logo começaria, e já ia questionar a respeito do local, quando a pessoa me disse que a fila já era visível à entrada do bloco onde estávamos, e considerado que a palestra ocorreria em um auditório lá no bloco principal, era de fato uma fila a preocupar.

Lutei para tentar abrir caminho entre a confusão de pessoas que transitava pelos corredores, e que gente mais sem educação! Comuns eram os empurrões, as bolsadas, mas ninguém se atrevia a parar a correnteza por alguns instantes para ousar se desculpar. Não. Seguiam em frente, na sua caótica e desengonçada movimentação. Isso me fez pensar o qual pequeno é o atual Centro de Convenções para eventos desse porte. Espero que o novo Centro, ainda em construção, mas cuja propaganda é feita de maneira pomposamente exagerada, bem ao lado do antigo, seja realmente um espaço com pelo menos metade do que é anunciado.

Quando enfim deixei os limites do bloco G, na passagem que delimitava o trecho que conduzia ao bloco C, tive a primeira dimensão da confusão na qual havia me metido. Dezenas de pessoas estavam aglomeradas neste espaço, formando algo que parecia tudo, menos uma fila. Olhei para a direção da entrada do bloco C, e vi várias pessoas enfileiradas, ou quase, no que deduzi ser o pedaço da fila que ia em direção à entrada do auditório. Fui voltando a visão, procurando o final, no entrelaçado de pessoas. Havia alguns receptivos do evento por lá, tentando organizar o tumulto. Fui direcionado ao que parecia ser o final, e a todo o momento chegavam mais e mais pessoas, somando-se às minhas costas.

Ziraldo teve uma fila considerável, distribuição de senhas e um público excelente para uma quarta-feira à noite. Já Pedro Bandeira, em pleno sábado, balançou os alicerces da Bienal, em duas palestras, com entrada restrita e arena completamente lotada. Maurício de Sousa, porém, derrubaria de vez estes alicerces, juntando o maior público já visto no evento. Pelo que ouvi em comentários soltos na fila, haveria a distribuição de pelo menos 1000 senhas. Comecei a imaginar que espaço iria compor tantas pessoas, uma vez que conheço pouco a estrutura do Centro de Convenções.



A fila vinha da entrada do bloco C, serpenteava na extensão entre um bloco e outro e seguia, por um espaço a ceú aberto, onde começaram a se aglomerar os que iam chegando, sob o ingrato sol do início da tarde. Muitos pais acompanhavam crianças, quase todas com uma revistinha da Turma da Mônica, seja a Clássica ou a Jovem; o que aliás me chamou a atenção: havia muito mais exemplares da turma jovem do que da clássica.


Nesta foto, não pensem que a fila acaba onde os olhos indicam, ela continua em um beco nessa parte branca, onde dá mais uma volta até reaparecer e seguir por esta parede vermelha.


Permaneci nessa extensa e barulhenta fila por vários minutos. Quando vi a dimensão geral da situação, percebi de imediato que seria impossível começar às 13:30. Provavelmente só lá para as 14:00, e olhe lá. Só para a fila começar a se mover foi preciso uns vinte minutos no minímo. E foi justamente quando as pessoas começavam a andar, vagarosamente, que aconteceu algo que não consegui entender até hoje.

Eu estava logo na altura da segunda curva da fila, unido a ela através de várias outras pessoas próximas a uma parede, mas subitamente percebi que o meu pedaço de fila havia sido "cortado" sem qualquer explicação. Não vi ninguém dizer nada, não sei sequer se o pessoal da frente percebeu, o fato é que eu e mais algumas pessoas estávamos fora do local onde achávamos que era a fila em si. Alertados, meus companheiros da frente tentaram educadamente pedir licença para se colocar entre o local que deveríamos estar. Mas foi um grande erro.

A resposta do pessoal que ocupava este espaço foi a pior possível. Não houve nenhum tipo de educação ou compreensão, apenas gritos e reclamações, vindos de senhoras muito estressadas que diziam que estávamos tentando furar a fila. Havia quase um ódio estampado em seus rostos, enquanto gritavam chamando a receptiva que tentava organizar a fila. Comecei a pensar de que valia tudo aquilo. Seria preciso ser mal educado e estúpido só para assistir à uma palestra de Maurício de Sousa? Os que estavam à minha frente ainda argumentaram, inultimente, ouvindo apenas a confusão de vozes gasguitas como respostas. Não falei nada, fiquei apenas pensando como uma única pessoa podia mexer com a vida de tantas outras, enquanto esperava a receptiva.

Quando enfim ela apareceu, veio junto uma nova surpresa: a receptiva disse que a fila na verdade era no sentido oposto ao que estávamos, ou seja, tivemos que virar de lado, e os que estavam às nossas costas, que tinham chegado depois, acabaram sendo privilegiados, pois agora ficaram à frente. Achando aquilo muito estranho, perguntei a ela por que a fila tinha mudado de lado, mas ela não respondeu, limitando-se apenas a dizer que a fila era naquela direção, apontando com a mão o sentido. Não havia como questionar, e também nem me interessava. Contanto que desse para assistir à palestra, já estaria bom.

Essa inversão colocou várias pessoas à minha frente, além de me fazer ter de seguir sob o castigante sol que àquela hora parecia mais quente do que nunca. O curioso é que só fui saber, dias depois, que tinha muito mais gente reclamando, em um outro trecho da fila, por alguma coisa a ver com uma fila especial para deficientes que a organização tinha criado. Aí já é demais pra reclamar, não é gente? Santa ignorância... Bom, o vídeo a seguir, que fiz no momento que cheguei ao local da fila, ilustra precisamente a situação geral:


Maurício de Sousa na Bienal do Livro do Ceará; fila inicial - Abril 2010



Após andar por toda a extensão da fila, fazendo todas as curvas e voltas, finalmente atravessei os portões para o bloco C, onde ficaria o auditório. A essa altura, as senhas de acesso já eram distribuídas a todos. A minha acabou sendo a 714, e imaginei que poderia ter sido pelo menos uns 50 números antes, caso não tivesse havido a confusão da fila. Passados mais alguns metros andando sobre o tapete vermelho, cheguei a um portão de vidro, guardado por seguranças, onde ficava o auditório, no salão intitulado O Quinze. Seguindo o ritmo das pessoas que entravam, mostrei a senha a um dos seguranças, que apenas balançou a cabeça, não recolhendo o papel, como acontecera no dia do Ziraldo. Isso me levou a pensar que aquela senha provavelmente ainda teria alguma outra finalidade, o que de fato aconteceu, como contarei mais a frente.

Atravessado o portão, segui por um corredor até chegar ao auditório propriamente dito. E que auditório, devo dizer. Como disse antes, não conheço muito da estrutura do Centro de Convenções, então foi um certo choque ver este auditório gigantesco. Era óbvio que o maior público da Bienal teria que ter um espaço apropriado. Assim que entrei, busquei logo algum bom lugar para fazer os registros do momento, mas praticamente todas as primeiras fileiras já estavam lotadas, com certeza com boa parte das mais de 700 pessoas que entraram antes. De tal maneira que tive de assegurar a primeira cadeira razoável que meus olhos puderam encontrar (só fui perceber bem depois que acabara ficando em uma reservada a deficientes, mas aí já não tinha como mudar). Já sentado, fiz mais algumas fotos e vídeos, enquanto as demais pessoas buscavam os lugares ainda desocupados.


Além das centenas de cadeiras, dispostas em inúmeras fileiras, havia um palco, sobre o qual estava montado um pequeno cenário, e ainda uma tela de projeção. Uma musiquinha tema da Mônica era tocada contínua e exaustivamente pelas caixas de som, talvez como uma maneira de entreter de alguma forma os já presentes, e pode até tê-lo feito por alguns minutos, mas depois se tornou enfadonha e repetitiva.



Foi mais ou menos por volta de 13:45 que teve início a programação. Após umas palavras de alguns figurões, Maurício foi chamado ao palco por um coro de mais de mil vozes, que estremeceram as sólidas estruturas do auditório. Eu, assim como todos, acreditava que ele apareceria por detrás do palco, ou por alguma porta próxima a ele, como havia sido nas palestras anteriores, mas a entrada de Maurício foi diferente, sem dúvida a mais badalada de toda a Bienal.

Enquanto o vozerio clamava pela sua presença, mantive o celular filmando o palco, tentando captar por onde ele surgiria, e deixando de notar de antemão a sua entrada, que se fez pelo acesso normal, por onde tinha vindo cada uma das mil pessoas. As cabeças de todos se viraram de imediato, tentando acompanhá-lo. A euforia foi às alturas, e milhares de flashes estouraram, seguindo-lhe os passos. A imprensa também marcava sua presença, com inúmeras câmeras de TV posicionadas em pontos estratégicos. Assim foi a chegada de Maurício de Sousa ao palco. Já neste, enquanto acenava ao público, pude ouvir talvez os mais altos gritos de euforia da Bienal.

Maurício, sempre muito sorridente, falou o quanto estava satisfeito por estar ali, e iniciou sua palestra elogiando o povo cearense, mas a acústica não ajudou muito, e foi um pouco difícil ouvi-lo nesse começo. Alguns mal-educados da plateia ainda gritaram para ele falar mais alto. Ao longo de suas palavras, Maurício, a respeito do tema Como fazer quadrinhos e dar certo no Brasil?, contou como iniciou sua carreira, há 50 anos, das dificuldades que enfrentou às glórias recebidas. Falou um pouco sobre suas referências nos quadrinhos, como as histórias do detetive Dick Tracy. Comentou ainda sobre a época onde foi repórter policial, submetendo-se a situações às quais não gostava nem um pouco.


Em dado momento, Maurício falou sobre o da Turma da Mônica jovem. Pronto, bastou isso para que praticamente todos levantassem as mãos e agitassem um exemplar no alto, prorrompendo mais alguns gritos. Essa cena se repetiu várias vezes. Ele falou que muitos torceram o nariz para essa novidade, alegando que os personagens tinham sido descaracterizados, mas que a medida foi tomada para chamar de volta o público que trocara as revistinhas pelos mangás, que tinham virado mania no país. E disse ainda que a turminha original continuava, é claro. É, continua - senão já seria demais não é?, mas venho percebendo por aí um número bem significativo de revistas da Mônica jovem, em relação à Mônica clássica. E ainda por cima Maurício revelou que vem aí um Chico Bento jovem...

Ele falou ainda sobre a criação de uma série animada para a turma jovem, o que arrancou mais outros tantos aplausos e berros, principalmente quando mencionou que será usada a mesma tecnologia que tornou possível o filme Avatar. Achei isso meio exagerado, porém, mas só corrobora o fato de que Maurício está cada vez mais o empresário ao desenhista, sempre seguindo as modas.

Isso, aliás, foi outro ponto defendido por ele. Para Maurício, é preciso estar sempre acompanhando as tendências, criando novidades, para não ser deixado para trás. Não sei se concordo muito com essa ideologia, mas o fato é que ele chegou aonde chegou, isso é indescutível.

O desenhista falou de seus primeiros trabalhos, com as tirinhas do Bidu, da criação de personagens, e depois na importância de registrá-los. Em outro momento, no qual falava a respeito da internacionalização de suas obras - processo inclusive já iniciado - comentou o sucesso das revistas da Turma da Mônica em países como Índia, China e Itália. Mostrou ainda alguns exemplares estrangeiros, e terminou por jogá-los ao público, provocando um burburinho nas primeiras fileiras de cadeiras.

Um lado bastante ruim da palestra veio por parte da organização da Bienal, que mesmo sabendo da importância daquele momento, não providenciou o que qualquer fã de Maurício de Sousa gostaria de vê-lo fazer: desenhar. O próprio Maurício, em certo momento, lamentou não ter condições de poder desenhar para o público. Que absurdo! De que servia a enorme projeção que não exibia mais que uma imagem estática da Turma da Mônica? Tanta preparação, tanta expectativa, e se esqueceram do detalhe mais importante! Não vou dizer que chegou a prejudicar a apresentação, mas garanto que teria sido muito mais memorável para todos se Maurício tivesse desenhado um Bidu ou um Horácio, para o deleite dos fãs.

Continuando, no decorrer de suas palavras, Maurício falou com seu lado empresário, citando o que era preciso para uma carreira de quadrinhista dar certo em nosso país. Disse que para ele tinha sido necessário um trabalho de meio século, que o preparo é muito importante. Segundo ele, é preciso estudar tudo relacionado ao assunto, bem como o mercado em si. Também é preciso ter um pouco de marketing. Lembrou ainda que é fundamental ter uma boa equipe e administração do negócio, que entenda bem do ramo. Essas foram algumas das lições ensinadas pelo Maurício empresário.

Após este momento, abriu-se o bloco de perguntas. Foi impressionante: dezenas de mãos dispararam para cima; todos pareciam querer perguntar algo a Maurício. E lá iam os receptivos para cima e para baixo, levando o microfone às pessoas. Foram várias perguntas, que abrangeram temas como a carreira de Maurício e os projetos com a Turma da Mônica jovem. Ele respondeu a todos os que pode, e disse aos que não poderiam ter suas respostas que mandassem a pergunta ao e-mail do atendimento de sua produtora, que ela seria com certeza respondida (como se alguém fosse de fato fazer isso, depois de ter a oportunidade do próprio Maurício responder ao vivo!).

Abaixo, vídeos com alguns trechos da ocasião. A qualidade de imagem é baixa, pois eu estava realmente longe do palco, e tive que forçar meu celular a um zoom não muito favorável. A acústica do auditório também não ajudou muito a captação sonora, mas ainda assim não deixa de ser um registro:


Maurício de Sousa na Bienal do Livro do Ceará; trecho 1 - Abril 2010




Maurício de Sousa na Bienal do Livro do Ceará; trecho 2 - Abril 2010




Maurício de Sousa na Bienal do Livro do Ceará; trecho 3 - Abril 2010




Maurício de Sousa na Bienal do Livro do Ceará; trecho 4 - Abril 2010




Fechadas as perguntas, chegou a hora que todos esperavam: os autógrafos. Eu estava bastante curioso para saber qual seria o critério usado para selecionar os que receberiam as assinaturas, pois havia mais de mil pessoas presentes, e certamente estava descartada a possibilidade de se fazer uma fila ao acaso. E foi aí que entraram em cena novamente as senhas. Um sorteio começou então a ser feito no palco. Papeizinhos com números iam sido retirados de um saco de pano, e assim saíram os primeiros sorteados. Maurício a essa hora, já tinha desaparecido por trás do palco. Por alguma razão que desconheço até agora, ele não daria os autógrafos no palco, à vista de todos.



Uma portinha próxima ao palco foi então aberta, deixando entrar uma forte claridade, e uma nova fila, dessa vez para os portadores das senhas premiados, foi iniciada. As senhas não paravam de ser sorteadas. Todos estavam ansiosos em suas cadeiras, aguardando com uma incrível esperança o possível sorteio de seu número. A cada número exclamado pelo apresentador da ocasião, uma nova comemoração eclodia de algum lugar entre as extensas fileiras de assentos. O autógrafo de Maurício de Sousa só chegaria a um grupo reduzido de pessoas, que comemoravam com uma intensa vivacidade, como um sonho que se realiza, antes de correr para se juntar à fila dos sorteados.

Acompanhando a movimentação de minha cadeira, comecei a imaginar como proceder se por acaso eu fosse sorteado. Um autógrafo de Maurício de Sousa não era bem o que eu imaginava ter como melhor recordação da Bienal, mas com certeza seria uma grata surpresa. Enquanto os números continuavam sendo sorteados, pensei que dificilmente meu número seria falado, afinal.

Entre uns vinte ou trinta chamados, era dada uma pausa momentânea, para que a fila andasse, e em seguida começavam a sortear novas pessoas. Muitos reclamavam que o tal saco de pano só liberava números altos, quase não saindo números, por exemplo, entre 1 e 400. Foi arranjado então uma espécie de baú, onde foram dispejados os papeizinhos restantes, em seguida misturados continuamente, e o sorteio enfim pode prosseguir. Foi um pouco depois de todo esse processo que ouvi claramente o número 714 ser exclamado pelo microfone do apresentador. A senha nas minhas mão exibia esses três números. Ora, eu tinha sido sorteado.

Devo dizer que realmente não esperava por isso, tanto é que, diferente das palestras anteriores da Bienal, dessa vez não levara qualquer livro (no caso revistinhas), pensando em conseguir um autógrafo. No dia de Ziraldo, lá estava eu com Jeremias, o bom. As palestras de Pedro Bandeira, assisti com A droga da obediência e O fantástico mistério de feiurinha. E todos esses livros tinham ido apenas passear. Agora, no entanto, que a chance do autógrafo chegara até mim, não tinha trazido sequer uma revistinha da Mônica, do Cebolinha ou do Chico Bento. E olha que até tenho uma boa coleção aqui em casa, mas, como falei, o autógrafo de Maurício de Sousa não estava entre minha prioridades, por isso sequer cogitei levar alguma.

Ainda pensei em de repente comprar alguma, mas não havia nenhuma à venda naquele espaço. Desta vez não tinha balcão com obras do palestrante convidado, o que também considerei outra pequena falha da organização. Podia ter tido uma área, ainda que pequena, para esse fim. É claro que praticamente todo os sorteados levou suas revistinhas a tiracolo, mas e aqueles que não tinham? Não lembro de nada ter sido falado a respeito disso, como se a produção do evento imaginasse que todas as mais de mil pessoas fossem dispor de uma revistinha da turma caso fossem sorteadas.

Talvez, quem sabe, além da portinha aberta, no espaço escondido onde Maurício autografava, houvesse algumas revistas para vender, ou talvez não. No fim das contas, acabei não me juntando à fila dos sorteados. Se não tinha conseguido os autógrafos que tanto queria, ao longo da Bienal, deixar aquele de lado não foi um sacrifício muito grande. Continuei sentado, observando a movimentação intensa de pessoas, à medida que mais números iam sendo sorteados. Depois de alguns minutos, provavelmente já tinham chamado um novo número, assim que constataram que o 714 não apareceu.

Ao todo foram 100 pessoas sorteadas; 10% dos presentes que tiveram o autógrafo de Maurício de Sousa em suas revistinhas. No momento que anunciaram o final do sorteio, uma massa de pessoas começou a dirigir-se para a saída do auditório. A fila na portinha ainda tinha um tamanho considerável quando me levantei para sair, antes que o amontoado de pessoas bloqueasse o caminho. A saída do auditório foi feita por uma área diferente da entrada, passando por trechos internos da estrutura, que acabavam se ligando às proximidades de uma das entradas do bloco F.

Devia ser por volta de 15:40. A Bienal estava praticamente intransitável, e só era possível se mover muito lentamente, desviando do incessante fluxo de pessoas. Naquele momento, o ar condicionado do ambiente parecia não existir, e o calor se fazia bastante presente. Com muito esforço e paciência, fui tentar comer alguma coisa e olhar mais alguns estandes, até a hora da palestra seguinte, de Marina Colasanti.

Falando da estrutura para receber o público de Maurício de Sousa, foi algo muito aquém do que acho que devia ter sido, dada a magnitude do momento. Filas mal arrumadas, dispostas sem muita orientação, que comprovam a fragilidade do atual Centro de Convenções às grandes multidões. Soma-se a isso a limitação de pessoas, pois soube que muitas ainda chegavam, ansiosas para ver Maurício, e não podiam mais entrar, por falta de lugar no auditório. E para completar a falha de não terem providenciado estrutura para ele deleitar o público, fazendo alguns desenhos ao vivo.

Quanto à apresentação em si, achei um bom momento. Sempre é interessante conhecer histórias do início de carreira de pessoas que já estão na estrada há tempos, mas confesso que fiquei um tanto quanto decepcionado em alguns aspectos. Que Maurício tem se mostrado um eficiente empresário, todos sabemos, mas de alguma forma seu comportamento não me agradou muito. O fato de estar sempre seguindo as tendências do momento, sempre em cima do que vem fazendo sucesso pode ser um ótimo caminho para muitos, mas não simpatizo muito com essa ideia. Ainda por cima o destaque dado à Turma da Mônica jovem foi um pouco excessivo. Nunca consegui engolir essa tática do Maurício, de mexer subitamente em personagens tão clássicos de nossos quadrinhos. Me lembro de quando era criança, de quando lia exaustivamente as historinhas da Mônica, e uma delas em particular que dizia o porquê de a Turma nunca crescer; mostrando um garotinho lendo as revistinhas em várias fases de sua vida, até virar adulto, e passar a revistinha para seu filho. O motivo seria exatamente esse, de a turminha sempre se renovar a cada geração. O que vi na Bienal foi crianças de sete, oito anos, já com revistinha da Turma da Mônica jovem, que inicialmente seriam voltadas ao público adolescente. É claro que isso não se deve exatamente à Turma da Mônica jovem, o fato é que no mundo de hoje as crianças estão virando adolescentes cada vez mais cedo, e a infância, período que devia ser vivido sem qualquer pressa, acaba sendo quase suprimida.

E a Turma da Mônica jovem vem fazendo um sucesso avassalador, o que é ainda mais impressionante. Tudo bem, a revista é bem produzida. O melhor do mangá parece estar lá (inclusive o preto e branco), mas com toda a certeza muita gente não deve ter gostado nem um pouco dessa manobra, que de uma maneira ou de outra, divide o público das demais revistinhas da turma e acaba criando quase uma competição interna. Ainda tem outro detalhe: se o foco era o público jovem, por que não usar personagens como Rolo e Tina para esse intuito, dando a eles mais destaque? ou quem sabe a criação de novos personagens especificamente para esse fim? Maurício deve ter lá suas razões para contrariar a ideia de uma de suas próprias revistinhas e fazer a turminha crescer; provavelmente as tendências comerciais. Nesse ponto, porém, estou com Ziraldo, que disse em sua palestra que os persongens são eternos, donos de uma identidade única, imutável. Acho que o melhor não é seguir tanto as tendências e modas, mas tentar criar as suas próprias ;)

No geral, foi uma palestra interessante, muito rica em vários momentos, e pude observar o girar de engrenagens ainda desconhecidas, mas muito curiosas. O momento mais desagradável, sem dúvida, foi ter que suportar a fila quilométrica (começo a pensar agora que o dono da senha número 1 devia estar no Centro de Convenções desde as 9:00 da manhã), mas o esforço valeu a pena. Acabei de certa forma recusando o autógrafo, mas como já disse em textos anteriores desta série, o que vale mais é a experiência de poder vivenciar momentos como esse.


A palestra da escritora Marina Colasanti, que aconteceu nesse mesmo dia, e era o verdadeiro destaque para mim, será tema da próxima postagem, a penúltima da série sobre a Bienal do Livro do Ceará.

3 comentários:

  1. Dennis,
    Adorei seu texto, com o qual me identifiquei demais, por várias razões.
    Primeiro, chamou- me atenção a falta de educação do brasileiro de modo geral. E isso não é só em bienal, não é só no Ceará, que vc é xingado, empurrado e pisoteado em filas. Basta vc ir ao metrô de São Paulo em horários de pico( tente entrar na linha 1 azul ou 3 vermelha num dia de semana às 18 horas e saberá do que estou falando...)Então, falta de educação é parte da nossa cultura, de modo geral. Claro que há exceções;
    Quanto à falta de organização, concordo plenamente, e não sei mesmo como está em São Paulo, fui à bienal uma única vez, em 88, aos 14 anos, e creio que há 20 anos não era essa loucura. Lembro que cumprimentei, na ocasião, Ziraldo( sem grandes filas), hoje sinceramente deve esatr o mesmo inferno para ve-lo do que está aí...
    A acústica estava péssima mesmo, para um evento de tal porte, e confesso que não consegui assistir aos seus videos, parei no primeiro, pq não entendi ´palavra do que Mauricio de Souza dizia... somente gritos histericos da plateia..*rsrsrs...
    O segundo motivo que me chamou a atenção é que sou tbem grande admiradora das HQ´s, minha casa tinha uma coleção de gibis tão grande que eu podia ter montado banca de revistas qdo criança.rsrsrs. Minha infância foi cheia de turma da Mônica, Luluzinha e personagens da Disney, eram as 3 HQ´s que eu comprava direto( ou melhor, meu pai...rsrsr).
    O terceiro, que me chamou a atenção, é vc falar sobre essa moda/ tendencia de criar personagens teen/ adolescentes com o proposito de atender a demanda do mercado, como queira, a passgame precoce da infância para a adolescência. Concordo e assino embaixo, personagens não deveriam ser mudados nem crescer( como vc disse, Tina e Rolo sempre estiveram aí p/ atender as demais necessidade do publico, e pq não me arriscar a dizer o Titi, que era um pouco mais velho, ja namorava, mostrando a transição do pre´- adolescente...) Mas, enfim, esse assunto, de pular a infancia, de queimar etapas, renderia outro post inteiro, acho saudavel( como médica, agora), vc viver cada etapa da sua vida sem queimar nenhuma nem fazer nada precocemente... mas... é nossa socidade que está aí...
    Continuarei seguindo seu blog. Gostei bastante!! beijão do outro lado do Brasil( Campinas, est. São Paulo)
    Valéria ;)

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  2. Pois é, Valéria, o povo de nosso país, em geral, é mesmo sem qualquer educação. Tanto é que é até de se espantar quando encontramos alguém com um mínimo de boas maneiras.

    As filas nesses locais realmente devem ter ficado mais extensas com o passar dos anos, e às vezes parece que a organização se esqueceu de que da mesma forma que a população aumenta, deve aumentar os espaços e áreas destinados à realização destes eventos.

    O primeiro vídeo é de fato quase inaudível - exceto os gritos - mas nos outros há uma leve melhora. Não sei se ajustaram melhor o microfone, ou se simplesmente Maurício falou mais alto, como gritou alguém da plateia (risos), mas podemos ouvir melhor suas palavras com certeza!

    E falando sobre personagens, citei apenas a Turma da Mônica jovem, mas você ter falado na Luluzinha me lembrou o que também fizeram com ela recentemente; provavelmente se inspiraram no mangá de Maurício de Sousa para criar a tosca Luluzinha Teen, seguindo à risca a fórmula ditada pelo pai da Turma da Mônica, como imaginando obter um bom número de vendas. As duas revistas são tão parecidas que, não fosse o nome, seria até complicado distingui-las de longe. Como falei na postagem, em vez de tentar pelo menos criar algo realmente novo, preferem seguir as tendências; o mercado. E nisso lá se vai outra clássica HQ pelo ralo abaixo...

    Bom, agradeço bastante seus comentários e elogios, e apareça sempre que puder ;)
    Beijos!

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  3. Dennis,
    Eu vi há 6 meses a revista da Luluzinha teen, Nem deu vontade de comprar, passei longe.Quero a original!!! rsrsrsrs...

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